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por Lucila Bezerra

Dois tipos de fio em um só à espera da liberdade que lhe foi tirada pela padronização. Enquanto milhares de brasileiras buscam nos alisamentos (permanentes ou temporários) fazer parte de um grupo, um movimento que dá um basta à tal imposição ganha força. Contudo, a transição entre o alisado e o natural é um período de auto-descoberta, no qual muitas descobrem o cabelo que jamais se permitiram ter. “Através do nosso cabelo tolhem nossa auto-estima, personalidade, sonhos e ideias, porque, quando alisamos, mostramos que somos submissas a um padrão estético, a uma ideologia branca que quer que todos sejam ‘iguais”, afirma a pedagoga Rosinha Andrade, 26, que terminou o processo de transição nos seus fios há um ano.

No entanto, não são apenas mulheres negras que sofrem preconceito pelo seu cabelo cacheado e crespo. A estudante de direito Isabela Pinheiro, 23, tem cabelos cacheados e é branca, mas mesmo assim se sentiu reprimida em relação ao cabelo. “Ao entrar na adolescência, vi que o cabelo da maioria das minhas amigas estava sempre escovado e eu ouvia críticas sobre o meu cabelo, por isso decidi alisar”, recorda.

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TRANSIÇÃO Ao enfrentar o processo, a ideia é ficar livre de um padrão para os cabelos (Fotos: Lucila Bezerra)

Além de continuar alisando os fios com chapinha até o final da jornada, muitas crespas e cacheadas vão aos salões de beleza a fim de realizar procedimentos sem química para tornar o período mais fácil e com um jeito mais afro. “Para passar por essa transição, muitas meninas decidem cortar toda a parte alisada (o chamado big chop), ou a disfarçam com tranças afro ou mega hair”, explica a cabeleireira Aldicéia Mota, 64, especializada em cabelos afro e proprietária do Salão Afro Baloguns. Que o diga Rosinha Andrade: “Depois de um congresso do grupo de pesquisa sobre relações étnico-raciais que participo vi negras com turbantes e tranças e decidi mudar e fiz o big chop com o desejo de conhecer o meu cabelo ainda que vá contra a opinião até da minha família”, lembra a pedagoga.

A imposição social é a razão para o alisamento da maioria das pessoas que veem nos artistas o conceito de beleza ideal. “Me chamavam de Elba Ramalho e de outras cantoras com cabelo volumoso de um jeito maldoso. Isso me deixava muito mal, por isso decidi alisar na primeira oportunidade, para ser aceita”, confessa a estudante de logística Taynara Freitas, 21, que complementa: “Não aprendi a me achar bonita pelo que eu sou, mas pela opinião dos outros”.

O que acontecia com Taynara há quase dez anos também ocorreu com a estudante do Ensino Médio, Beatriz Dantas, 16. “Meus colegas riam do meu cabelo porque ele era volumoso e me chamavam de bruxa, então alisei para evitar esses constrangimentos”, diz a garota que está num processo de transição para voltar àqueles cabelos que hoje admira pelo que vê nas ruas e nos blogs de beleza.

O que dificulta alguém iniciar o período de transição e se manter até o fim é esperar o cabelo crescer para ver como ele é. O que pode não parecer ter sentido, já que o cabelo é de quem o alisou, mas com o tempo se vão até as memórias de uma época sem horas na cadeira do cabeleireiro em processos de alisamento. “Eu já comecei várias vezes, mas quando vai crescendo eu me frustro e não quero ficar com aquele cabelo feio que, ao mesmo tempo, não é nem cacheado nem liso”, comenta Taynara que está há um ano sem progressiva. Já Rosinha teve outros obstáculos: “A pior parte é esperar que ele cresça, porque ele demora mais a ficar do tamanho que você quer, já que o cabelo encolhe por causa dos cachos”.

Assim, ao enfrentar o processo de transição, a ideia passa a não ser de uma obrigação em deixar o cabelo natural, mas de se ver livre de um padrão. “Eu não acho que, por causa da ditadura do cabelo liso, todo mundo tem que ter cabelo natural”, comenta Aldicéia. “O mais importante é que cada um tenha liberdade de expressão para alisar, fazer tranças, black, usá-lo natural ou com megahair”, conclui.