por Ana Lígia

A 205 km do Recife se encontra Xucuru, distrito de Belo Jardim, que possui cerca de 5,6 mil habitantes e é conhecido por seu difícil acesso, graças à deficiência das estradas.  Mas o que as belas serras do lugar escondem, além de sua admirável mata, são as histórias do povo que conseguiu driblar cada curva do caminho escasso, em busca de boas escolas. Lá não é difícil encontrar casos de pessoas que, desde o século passado, não medem esforços para estudar e acabam deixando esse lugar intocado, operando uma mudança radical em suas vidas.

PERSEVERANÇA Hoje doutora em educação, Bernardina Santos deixou a casa dos pais aos 11 anos (Foto: Ana Lígia)
PERSEVERANÇA Hoje doutora em educação, Bernardina Santos deixou a casa dos pais aos 11 anos (Foto: Ana Lígia)

São Manoel da Paciência é conhecido como o padroeiro de Xucuru. Junto a esse adjetivo, “perseverança” também deveria ser usado para descrever os alunos que lutam todos os dias para conseguir estudar, já que o distrito possui uma única e limitada escola de Ensino Fundamental. A trajetória da xucuruense Bernardina Santos, hoje doutora em educação, serve de inspiração para muitos alunos, que hoje vivem uma adaptação melhorada da sua própria história iniciada em 1977.

Com apenas 11 anos, Bernardina saiu da casa de seus pais, em Xucuru, para estudar em Belo Jardim. O grupo escolar Manoel Soares era a única escola do distrito e só ia até a 4a série (hoje 5o ano). “Era comum muitas séries convivendo ao mesmo tempo em uma única sala de aula, administrada por uma só professora e a maioria era leiga”, lembra.

Jose dos Santos, mãe de Bernardina, sempre incentivou os estudos da filha (Foto: Ana Lígia)
Jose dos Santos, mãe de Bernardina, sempre incentivou os estudos da filha (Foto: Ana Lígia)

Depois de ter sido vetada a repetir, pela terceira vez, a 4ª série, de 1974 a 1976, sua mãe teve a ideia de mandá-la morar em Belo Jardim, com uma prima que tinha acabado de conhecer. Viver na casa de Dona Helena foi uma das mais drásticas mudanças na vida de Bernardina. “Quando minha mãe descobriu a existência dessa prima, viu uma chance imensa de me colocar para morar com ela. Era uma família bem diferente da minha, foi uma adaptação marcada por sofrimento, eu me sentia muito rejeitada. Sentia uma alegria imensa quando chegava a sexta-feira e eu voltava para minha casa”, relata.

Os alunos que moram em Xucuru e estudam em Belo Jardim contam hoje com o apoio da prefeitura, que disponibiliza lotações para levar os estudantes. Bernardina não teve a mesma sorte. Por incontáveis vezes, na época de enchentes, precisou atravessar rios a pé. “A topografia do lugar é muito diferente, há muitas serras e pedras, isso dificultava o deslocamento. Nessas épocas era impossível o trânsito de carros”, conta.

Por algumas vezes, devido à difícil adaptação, Bernardina pensou em voltar a morar em Xucuru. “Todos os finais de semana eu viajava para casa da minha mãe e ela sempre repetia: ‘Fique por lá, aqui não tem futuro pra você, veja as meninas da sua idade, elas carregam água na cabeça, perdem os dentes muito cedo e acabam casando com esses bêbados’”. Essa espécie de praga era o “empurrão” de volta à cidade.

Bernardina fez jus ao padroeiro de Xucuru e com paciência venceu todas as dificuldades -colocadas em seu caminho (ver box online). Decidir e aceitar uma modificação tão grande e drástica, quando ainda se é uma criança, não foi fácil. Mas foram o apoio do pai, acolhimento da família e sua coragem de mudar que a fizeram trocar a proteção de sua casa por uma difícil jornada em busca de um futuro melhor na escola.