No recanto da rua tem vida

Por Maria Eduarda Barbosa Farias

É grande o movimento nas ruas Professor João Cândido Pessoa e Elesbão de Castro, em Olinda. Em meio a bancos, clínicas e lojas, cidadãos circulam pelas ruas desde o início da manhã. No canto da calçada do cruzamento, há uma cadeira encostada na parede e livros expostos no chão. São objetos de Clemerson Urbano Dornelas, idade não revelada. Guardador de carros há 13 anos na rua, ele observa o movimento dos veículos sem ser percebido pela maioria dos motoristas. “Tem cliente que nem fala um bom dia, olha de lado para mim, mas eu continuo tratando bem. Um dia isso vai bater no coração dele. Esse é o meu contato com as pessoas”, conta. Assim como ele, há mais pessoas que estão à margem e assumem uma condição periférica na sociedade.

Pai de um adolescente, Clemerson mora com o filho a dez minutos do serviço, em uma casa construída com o pouco dinheiro que ganhou após ser demitido do depósito de água em que trabalhava, há 15 anos. Na época, separou cinquenta reais e um par de sapatos para comprar uma carroça. Com o novo instrumento de trabalho, ele começou a catar lixo e objetos recicláveis para ganhar alguns trocados. “Eu passava todo dia por essas ruas que eu trabalho hoje. O dono da padaria aqui perto me dava um pão e eu seguia meu trabalho. Até que um dia avistei um rapaz guardando carros em um terreno baldio na esquina e perguntei se podia dividir com ele o serviço”, diz. Depois de alguns meses, o terreno foi ocupado e Clemerson passou a colocar os veículos na rua, onde fica até hoje.

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Clemerson guarda carros

Realidades como a do guardador de carros são fáceis de encontrar quando se caminha pelas ruas. Segundo uma pesquisa divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2013, há cerca de 390 mil catadores de materiais no Brasil, sendo quase 117 mil no Nordeste. Ainda pela pesquisa, 66% desses catadores são negros, o que reafirma a exclusão que existe no Brasil.

De acordo com a psicóloga do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), Lúcia Meireles, o olhar dirigido para essas pessoas é pejorativo e discriminatório. “Existem várias repercussões no dia a dia desses trabalhadores, como a desigualdade de tratamento e de oportunidades, o que gera a exclusão social. Além disso, o sentimento de inferioridade pode estar presente, permanecendo os danos à autoestima e à motivação”, esclarece.

No vai e vem das pessoas na Avenida Getúlio Vargas, em Olinda, Ildo Batista de Oliveira, 51 anos, leva um isopor carregado de cocos para vender. Após a metalúrgica onde ele trabalhava falir e ele ter ficado cego do olho direito em um acidente de trabalho, Ildo não conseguiu um novo emprego e, há 12 anos, decidiu tirar o sustento da família dessa forma. Casado e pai de um jovem de 21 anos, o comerciante perdeu um filho de 18 anos assassinado e reconhece as dificuldades da atual situação em que vive. “Eu já sofri muito e ainda sofro com minha esposa. Quando perdi o emprego e passei a ser vendedor, eu subia nos coqueiros para tirar os cocos e as lágrimas escorriam dos olhos”, lembra. Com uma vida dura, o vendedor sente por não ter conseguido um emprego fixo e não descarta o serviço que vier.

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Metalúrgico, Ildo vende côcos depois que se acidentou no trabalho

Na avaliação da psicóloga, a não visualização de outras opções de trabalho leva o indivíduo a abraçar qualquer tipo de oportunidade, seja precária, informal ou de risco. “Essas pessoas são vistas, muitas vezes, como pragas, estão à margem da sociedade e são aparentemente dispensáveis. Sabemos que isso não é verdade, mas o preconceito é claro”, esclarece. Para garantir o sustento próprio e da família, essas pessoas buscam como podem um espaço, e seu comportamento fica condicionado à situação a que se está exposto.

 

 

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