Quando a solidão é coletiva

Viver em um asilo é sentir a paradoxal experiência de solidão coletiva. No Instituto Padre Venâncio, no bairro da Várzea, Zona Oeste do Recife, essa sensação é vivida por 60 senhoras que são ao mesmo tempo parceiras de quarto, vizinhas de corredor, colegas de convivência e companheiras de histórias de vidas distintas, mas que desaguaram no mesmo desfecho: compartilhar um espaço onde algumas recebem visitas de parentes que confiaram a outras pessoas o papel de cuidar do ente agora idoso. Mas ao contrário do que se pode julgar à primeira vista, por causa da atmosfera quieta do local, essa circunstância não é motivo de tristeza.

“Eu sofri muito com um irmão com quem morei. Ele fazia miséria comigo, me dava murro, me pisava, me trancava com cadeado. Passei fome, passei sede. Quem me dava água era um padre. Eu pegava quatro garrafas para encher, porque meu irmão não me dava água. Eu dormia numa praça. O meu lençol eram dois jornais e meu travesseiro, três pedras.” Essa era a situação pela qual passava Darcy de Carvalho Poroca, 69 anos, pouco antes de entrar no asilo, onde está há pouco mais de 10 anos. “Eu vim parar aqui porque o padre falou com dona ‘Rosá’, para ver se tinha vaga para mim”, recorda.

Um motivo bem diferente do de Severina Gonçalves da Silva, 74. “Depois de ter morado 14 anos com uma irmã, procurei um centro geriátrico para me abrigar com a minha mãe, que tinha câncer de clavícula. Sempre pensei que, chegando o dia que Deus a chamasse, eu teria de ficar na casa de família, com parentes jovens que hoje querem viver suas vidas em lazer. Então, não ia nunca dar certo”, explica a idosa, que recebe visita de alguns sobrinhos.

Severina conta que a convivência com as outras senhoras no instituto é normal. “Estamos todas caminhando para uma vida só, para o chamado de Deus, um dia. Então, a nossa convivência é normal mesmo, de idosa para idosa. Chega uma, eu conversa, me pede um serviço, um copo d’água, eu dou; pede para levar um negócio na lavanderia, eu levo; pede para empurrar uma cadeirinha de roda até o refeitório, eu levo. Entendeu? Passo o dia assim. E assim eu vivo satisfeita”, conclui. “Eu ajudo as ‘vó’, eu tiro os pratos, eu levo as cadeiras de roda, eu ajudo muito. Elas fazem ‘Darcy, vem fazer isso. Darcy, vem fazer aquilo.’ Aí eu ajudo. Eu gosto de ajudar”, diz, orgulhosa, Darcy, a quase septuagenária que não tem parentes para receber.

Para passar o tempo, cada uma tem sua rotina. Têm idosas que têm seus trabalhos. Tinham umas aqui que faziam, mas pararam, conta Severina. Não é o caso de Darcy, que passa o tempo entre linhas e agulhas. “Eu faço pompom, boneca. Já fiz muita boneca para vender. Eu sei almofada, eu sei fazer tudo. Só não costumo mais fazer essas coisas para vender, porque, quando dou o preço, o povo acha caro”, dispara.

“A minha história não é muito crítica, não. É uma história bonita. Estou feliz, porque entreguei meu pai e minha mãe a Deus. E trabalhava. Então, chegou uma oportunidade que Deus abriu as portas para mim aqui, né? Estou satisfeita”, conclui Severina.