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04

Relações entre cinema e cultura urbana são discutidas no Intercom

Por Tiago Cisneiros 

Como o cinema retrata a cidade e como a cidade percebe o cinema. Essa foi, em linhas gerais, a relação abordada na mesa-redonda “Cinema e culturas urbanas”, realizada na tarde deste sábado (3), como parte do XXXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Intercom 2011. O debate, baseado em exposições do pesquisador Moacir dos Anjos (Fundação Joaquim Nabuco) e da professora Ângela Prysthon (Universiade Federal de Pernambuco), teve a participação de Rose de Melo Rocha (Escola Superior de Publicidade e Marketing/São Paulo) e Samuel Paiva (Universidade Federal de São Carlos). A mediação ficou a cargo da professora Josimey Costa da Silva, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

A professora do curso de cinema da UFPE Ângela Prysthon deu início ao debate destacando a oportunidade de reunir “cinema” e “culturas urbanas” em um só momento. Segundo ela, em outros encontros da área de comunicação, as duas temáticas costumam ser tratadas separadamente, dificultando a discussão acerca das relações que guardam entre si. Durante sua fala, a educadora traçou um panorama de como as cidades têm sido representadas e/ou apresentadas nas produções cinematográficas.

Ela lembrou, por exemplo, que muitas obras do cinema clássico têm a cidade utópica ou idealizada como personagem central. Ao mesmo tempo, os espaços urbanos surgem como “gigantescos e assustadores” nos chamados films noirs (como “Cidade Nua”) da década de 1940. Naquela fase, afirmou, Nova York e Los Angeles ocupavam lugar de destaque nas produções da sétima arte.

Nos anos 1950, segundo Ângela Prysthon, os melodramas costumavam focar o subúrbio ou as cidades do interior. O cinema do pós-guerra caracterizou-se pela ruptura com a imagem idealizada dos centros urbanos. “Começou uma busca por uma cidade mais real, uma produção mais vinculada à documentação da verdade”, disse, ressaltando que a corrente tem raízes no neorrealismo italiano. A nova concepção disseminou-se e foi fundamental nas obras da Nouvelle Vague. Mais tarde, na década de 1970, a tendência era expor a crise das cidades, tanto nos países desenvolvidos, como no alemão “O medo devora a alma”, quanto nos subdesenvolvidos, cujo exemplo é o “Rio 40 graus”, de Nelson Pereira dos Santos.

Mantendo a sequência, a professora afirmou que o cinema pós-moderno, embora apresente aspectos utópicos, tende a trabalhar com uma crítica baseada no espaço urbano reinventado. “Um dos filmes mais importantes desse período é ‘Asas do desejo’, que estabelece uma relação profunda entre a cidade e a possibilidade de uma nova imagem, de cidade contemporânea como cidade de ruínas.” No cinema independente americano dos anos 1990, destacou, a tônica é a multiplicidade de vozes, que perpassa as questões da migração e da produção transnacional, tanto no “fazer cinema”, quanto nos conteúdos.

O pesquisador da Fundaj Moacir dos Anjos, ao contrário de Ângela Prysthon, preferiu organizar sua apresentação em torno de um único filme: “No quarto da Vanda”, do cineasta português Pedro Costa. A obra foi inteiramente filmada na comunidade de Fontainha, em Lisboa, reduto de pobres e imigrantes de ex-colônias lusitanas (sobretudo, Cabo Verde). A Vanda do título é uma jovem que o diretor conheceu na gravação de “Casa Lava”, sua película anterior. Com um comportamento agressivo, ela chamou a atenção, entre outras coisas, por dizer a Costa que ele precisava se aproximar de Fontainha, para entender sua realidade.

Foi o que o cineasta fez em “No quarto da Vanda”, filme que, segundo Anjos, não pode ser classificado como documentário nem como ficção. Ele se desenvolve em sequências (ou vinhetas) ambientadas no próprio quarto de Vanda (onde ela conversa e consome drogas com amigos e familiares), em outras casas da comunidade e nos corredores externos. Quase tudo é filmado pelo próprio Pedro Costa, que resolveu trabalhar sozinho, com uma câmera digital e pequenos refletores.

De acordo com o pesquisador, “No quarto da Vanda” tece um urbanismo que não existe, sugerindo a sua invenção. Trata-se, assim, da proposta de uma nova cidade, ainda que não exposta em forma de denúncia social ou crítica aberta. A maneira como Costa monta o filme, oscilando (sem esclarecer) entre os espaços internos e externos das casas, tem relação, segundo Anjos, com a fluidez entre o público e o privado. “Ela (a fluidez) se apresenta de forma natural, e não como discurso. É uma experiência, na qual o espectador fica desorientado, sem saber onde está na comunidade. Então, entramos em um processo de desclassificação (rebaixamento dos valores a um mesmo plano e desordem da taxonomia), que gera a situação portadora do novo”, analisa, para concluir que a obra coloca a possibilidade de mudança.

Outro aspecto ressaltado por Anjos é a forma como Pedro Costa trabalha com a luminosidade dentro e fora da comunidade de Fontainha. “Nas poucas vezes em que aparece a área externa, com mais luz, torna-se visível o fato de Fontainha estar sendo destruída, por algum projeto de reurbanização da área”, diz. O diretor, segundo ele, provoca a impressão de encurralamento dos moradores pelas máquinas (escavadeiras) e termina, assim, por fazer uma espécie de defesa “daquilo que, apesar de tudo, anima as pessoas, por ser parte do seu cotidiano e que, como tal, deve ser protegido”.

Após as duas apresentações, os professores Rose de Melo Rocha e Samuel Paiva fizeram suas considerações sobre as temáticas abordadas. Ela falou, por exemplo, sobre a crise da proximidade nas cidades pós-modernas, caracterizada pela crescente dificuldade de convivência com o diferente. Ao questionar como o cinema poderia levar o espectador a olhar as coisas de uma nova forma, Rose levantou a possibilidade de união entre estética e ética. “Spinoza dizia que a ética aumentava nossa potência de agir. Em que momento podemos pensar a estética como o que aumenta a nossa potência de sentir?”, indagou. Paiva, entre outros pontos, abordou o papel da cidade como base para a expressão e a afirmação de identidades, no cinema brasileiro das décadas de 1910 e 1920 (inclusive, no Ciclo do Recife). Também tratou da recente tendência de fragmentação daquela concepção, com o estabelecimento de relações entre o local e o global. É o que se observa, segundo ele, na etimologia do movimento Mangue Beat e do filme “Árido Movie” – ambos, nomes compostos por um termo regional e um no idioma inglês, símbolo da globalização. Nos últimos 20 minutos da mesa-redonda, os estudantes e professores presentes puderam comentar as apresentações e fazer perguntas aos debatedores.

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