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José Marques de Melo justifica o tema central do Intercom 2011

O jornalista, professor, pesquisador Doutor José Marques de Melo, mentor do tema central do XXXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, “Quem tem medo da pesquisa empírica?”, justifica sua importância para o desenvolvimento científico da área.

“A pesquisa em comunicação emerge, no panorama das ciências humanas, no ramo dos estudos empíricos, situando-se como área do conhecimento aplicado.  Sua natureza fenomenológica, servindo como fonte de referência para a tomada de decisões estratégicas, na retórica de Aristóteles ou na nova retórica de Schramm, não deixa dúvidas quanto à identidade adquirida na árvore mundial do saber.

José Marques: título Doutor Honoris Causa da Unicap (2010)

Trata-se de acervo cognitivo acumulado seletivamente pela práxis, legitimado historicamente pelas corporações de artes e ofícios, e democraticamente transmitido às novas gerações, através da oralidade, típica da era artesanal. Tornou-se artefato impresso, na idade industrial, abrigando a teoria sistematizada pelos mestres dos ofícios respectivos. Socializado através de manuais destinados ao aprendizado dos novos profissionais, o saber comunicacional manteve-se circunscrito ao empirismo hegemônico no período que antecede sua apropriação pela universidade.

Isso ocorre efetivamente durante o século XX, quando as disciplinas que correspondem ao conhecimento vigente em cada uma das profissões socialmente estabelecidas – jornalismo, propaganda, cinematografia, relações públicas e outras – são reunidas em espaços contíguos – faculdades, escolas, departamentos – que constituem o campo emergente de ciências da comunicação.

Essa transição do saber fragmentado, enraizado na práxis, para o conhecimento holístico, demandado pelo campus, tem se caracterizado pela convivência, nem sempre harmônica, entre seus protagonistas, gerando idiossincrasias e nutrindo preconceitos mútuos. Esse conflito latente entre “pragmáticos” e “teóricos”, ou seja, entre os praticantes dos ofícios comunicacionais e seus pesquisadores acadêmicos, vem produzindo equívocos semânticos, como, por exemplo, a desqualificação do adjetivo “empírico”, convertido em antônimo de “teórico”.

Assim sendo, a pesquisa em comunicação, genuinamente instituída no universo empírico do fazer jornalístico, publicitário, cinematográfico, etc., passa a ser estigmatizada, desassistida e até mesmo obstaculizada. Rotulada como anacrônica, instrumental, mecanicista por seus antagonistas, adquire significado equivalente ao discurso do senso comum. Empírico resume-se, para tais exegetas, em conhecimento baseado apenas na experiência, destituído de caráter científico. Seus praticantes são anatematizados como charlatães, forjados pela prática e indexados como inimigos do racionalismo porque desprovidos de bagagem teórica.

Reagindo ao patrulhamento, os pesquisadores dos campos profissionais desqualificam as contribuições oriundas das disciplinas conexas, julgando-as inapropriadas porque eivadas de abstracionismo e classificando seus autores como “teóricos” incapazes de por os pés na terra, meros fabricantes de conhecimento inútil.

Desde a sua fundação, a INTERCOM tem procurado instituir uma “terceira via”, promovendo o diálogo entre “empíricos” e “teóricos”, na tentativa de superar essa falsa dicotomia.

Este é o desafio que os atuais dirigentes da nossa comunidade científica decidiram enfrentar. Através de uma manchete provocativa, pretendem criar uma espécie de glassnost acadêmica.  Ensejando oportunidades, durante o XXXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, para desarmar os espíritos, ambicionam chegar a soluções de compromisso capazes de integrar teoria e práxis.

Se desse debate pluralista resultar a superação de preconceitos e a produção de estudos compartilhados, a INTERCOM sairá engrandecida. Pois estará colhendo os frutos da árvore utopicamente plantada pelos seus fundadores em terreno fértil, diligentemente irrigado pela sua vanguarda para beneficiar as novas gerações de pesquisadores.”
(José Marques de Melo – Fundador e Presidente de Honra da INTERCOM)

4 comentários

  1. André Gustavo Amorim Soaresdisse:

    Esse cara é realmente genial, bom sempre saber que a área que escolhi tem pessoas do porte desses gigantes que integram a Intercom Santella, Beltrão, Melo e etc…

  2. Roberto Martinsdisse:

    Parabéns pela escolha do grande tema da Intercom este ano. Toca na velha ferida, de que não é socialmente justo, investir na produção do conhecimento para criar alimentos de traças em biliotecas ou arquivos perdidios na atmosfera virtual, principalemente e, talvez, especificamente, quando o trabalho é empreendido sobre patrocínio de recursos públicos. Pretendo escrever o meu trabalho, fruto de análise de atividade emperica, e participar deste grande evento!

    Obrigado !
    Mais uma vez parabéns!

  3. Inara Regina Batista da Costadisse:

    É um tema bastante interessante, o que permeia inclusive os projetos político-pedagógico dos cursos da área de Comunicação.
    É um desafio estabelecer diálogo entre os dois campos tão necessários e tão polêmicos. Parabéns pela escolha!

  4. Raquel Rodriguesdisse:

    Que feliz coincidência! Outro dia estávamos discutindo os sectarismos acadêmicos, sobretudo em alguns programas de pós-graduação, stricto sensu, no Brasil. De modo geral, a ciência passa a responder demandas epistemológicas de um tempo mais complexo, mais contraditório, mais multidimensional. O que requer de todos nós, que vivemos em seu meio, um olhar ao mesmo tempo mais rigoroso e cuidadoso, mas também mais amplo, mais interrelacional. Convergir talvez seja a palavra mais cara e desafiante de nossos fazeres científicos e até mesmo pedagógico e didáticos. Que o INTERCOM, por sua importância, possa contribuir para novos paradigmas, novos pensamentos e boa vontade, dos que, tendo, talvez, domínio absoluto sobre uma determinada área, respeite a legitimidade dos estudos alheios.

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