Discurso de posse
Pe. Pedro Rubens,S.J.

Na pessoa do Pe. Peters, anfitrião principal desta noite, saúdo todas as autoridades, convidados e membros da Assembléia Universitária.

Agradecido e confiante: eis os sentimentos mais constantes desde que a proposta de vir para a Universidade Católica de Pernambuco me foi feita. Agradeço a Deus e à Companhia de Jesus por me confiarem semelhante responsabilidade. Respondo a esse apelo com "ânimo e liberalidade", confiante na co-responsabilidade de todos os que fazem esta instituição ser o que ela é. Recebo a UNICAP como um desafio, acolho-a como uma missão e assumo-a como uma esperança.

Desafio porque uma universidade é menos um templo do saber que uma comunidade em busca metódica e incessante da verdade. Ela nasce de apelos históricos e de demandas concretas, tempo e lugar abertos a uma universalidade sem fronteiras. Situada no Nordeste brasileiro, para a UNICAP, essa região não é apenas um lugar geográfico, mas uma interpelação desafiadora. Afinal, não há apelo maior nem desafio mais instigante à inteligência que a busca de uma verdade indissociável da vida, desde suas condições básicas ao seu sentido último. Ouso afirmar que a vocação fundamental da UNICAP é o Nordeste e o clamor de sua gente. Para além de qualquer forma de regionalismo militante, trata-se de postular uma compreensão situada da realidade universal. Isso implica, por sua vez, pensar articulada e sistematicamente nossa região com seu patrimônio cultural e com suas idiossincrasias, com seus desafios e esperanças, sem perder de vista as perspectivas nacional, latino-americana e internacional. Trata-se, enfim, de elaborar, de forma inteligente e criativa, a contribuição dessa experiência singular para a construção histórica da humanidade inteira.

Os desafios da UNICAP são também indicadores e parte integrante de sua missão, à qual assumo doravante como própria. A serem traduzidos e interpretados constantemente, os valores universais da Católica estão bem expressos em seu lema, Veritati et Vitae. Mais que uma conexão entre duas idéias, a articulação fecunda entre Verdade e Vida concerne, de maneira lapidar, a identidade e missão da UNICAP. Independentemente da concepção religiosa das pessoas, esse par de conceitos remete toda a comunidade acadêmica ao evento cristão, Jesus Cristo, revelado como “Caminho, Verdade e Vida” (Jo 14,6). E se o termo "caminho" não figura no lema da UNICAP, ele lhe é intrínseco e indispensável ao exercício universitário, já que caminho é originariamente "método". Ora, a função do método não consiste apenas em elaborar os objetos de estudo e analisá-los rigorosamente, mas também construir argumentos e lançar estratégias de realização. Enfim, cabe ao exercício acadêmico buscar e encontrar o acesso que conduz a verdade mais primária ao seu critério mais sublime, a vida, evangelicamente concebida como dádiva abundante e direito inalienável, dom de Deus e tarefa humana.

Marcada pelo diálogo dos valores evangélicos com a cultura acadêmica, a Universidade Católica de Pernambuco tem uma importância singular, fato registrado por uma rica história e a construção de uma identidade própria, que se traduz hoje na imagem de um prisma, o qual irradia a luz em várias dimensões, das quais destaco três essenciais: a dimensão de formação profissional, a dimensão de reciprocidade com a comunidade e a dimensão de produção de pesquisas inovadoras. Essas dimensões constitutivas das exigências universitárias se verificam no processo histórico da Instituição, como dito, harmonizando a universalidade do conhecimento com as necessidades da região.

Com relação à formação profissional, a UNICAP sempre esteve atenta às demandas sociais, da região em que se situa e do país, não sem realizar igualmente intercâmbios com a América latina e outros continentes, através de seus múltiplos convênios. Foi pioneira na implementação de alguns cursos de graduação – vejam-se, a título de exemplo, os cursos de Jornalismo e de Fonoaudiologia, primeiros a serem criados no Norte e Nordeste – e segue ministrando um competente ensino nas múltiplas carreiras que oferece numa busca constante da excelência acadêmica. A formação de profissionais competentes implica concomitantemente as capacitações docente e técnico-administrativa, atestado por esforços e investimentos conjugados.

A dimensão de reciprocidade com a comunidade, hodiernamente tão enfocada por conta da importância dada a este relevante tópico, sobretudo a partir da Portaria do MEC nº 4361, de 2004, e normas subseqüentes, representa uma constante na trajetória unicapiana. A responsabilidade social da UNICAP pode ser aferida em suas inúmeras iniciativas, dentre as quais se destaca o Projeto Rio Formoso, marco simbólico do compromisso efetivo dessa comunidade acadêmica com a população social e economicamente desfavorecida, o que não apenas possibilitou um crescimento mútuo das partes envolvidas, mas contribuiu no estudo e realização de um desenvolvimento sustentável. Igualmente, através das diversas clínicas e núcleos, dos estágios e dos trabalhos de extensão, a formação profissional adquire um caráter de serviço à comunidade e representa um exercício efetivo de cidadania.

Enfim, no que tange à investigação científica, os avanços são dignos de apreciação. Além de uma gama de cursos de especialização em diversas áreas, são seis os programas de pós-graduação stricto sensu, credenciados pela agência CAPES, além de difundida, de forma significativa, a iniciação científica. Nessa última dimensão, merece uma menção especial o caráter multidisciplinar dos programas da UNICAP, bem como a necessária articulação entre desenvolvimento científico e espírito reflexivo, entre o tecnicamente possível e o eticamente desejável.

Recebo a UNICAP depois de duas décadas de um fecundo reitorado do Pe. Theodoro Peters, SJ, cujo legado sempre estará presente na mente e no coração de todos os que fazem esta Comunidade Acadêmica. Minha atitude primeira é de reverencial admiração e profunda gratidão, tanto pela herança recebida quanto pela maneira de conduzir o processo de transição do reitorado. Recebo uma instituição sólida, uma comunidade madura e uma dinâmica vigorosa de crescimento. O processo de transição conduzido pelo Pe. Peters foi realizado gradual e eficazmente, através de um diálogo aberto e franco, segundo uma pedagogia paciente e decidida. Na impossibilidade de fazer um balanço dessa significativa gestão, para além de minha gratidão pessoal, ressalto sobremaneira a seriedade, a dedicação e a visão de futuro ímpar do meu predecessor, consolidando, decisivamente, a identidade e missão da UNICAP, projetando-a nos contextos nacional e internacional, marcando os rumos de um futuro promissor e abrindo os caminhos que apontam para novas realizações.

Peters, as despedidas que as saudades antecipadas reclamam são desmentidas pela amizade que permanece. Assim como não é adequado dizer-lhe adeus, também não será necessário convida-lo: de Pernambuco e de Recife o sr. é cidadão, dessa universidade o sr. continuará sendo um grande anfitrião.

Assumir a UNICAP é, pois, habitar uma história densa de esperança, ao mesmo tempo dádiva e tarefa. Contemplo o futuro recordando não apenas os 55 anos de nascimento desta universidade no coração do Nordeste, mas igualmente a longa trajetória jesuítica no mundo da educação universitária, à qual se confunde com o próprio ato fundacional que concretizou o ideal daquele primeiro grupo de companheiros universitários, em Paris. De fato, retomando uma intuição feliz do Pe. Peters em artigo recente, "a Companhia de Jesus nasce na Universidade". E a UNICAP é um sinal expresso desse compromisso histórico dos jesuítas com uma formação humana integral, à luz da tradição cristã e seguindo a orientação eclesial, interpretadas, incessantemente, diante de novos desafios e exigências contextuais e confrontadas com outras formas de viver e de pensar. A tarefa que assumo inscreve-se numa "fidelidade criativa", para usar a expressão do historiador e jesuíta francês Michel de Certeau. Ser fiel à história da UNICAP e ao trabalho de meus predecessores não significa, portanto, apenas dar continuidade ao que foi feito, mas assumir criativamente o espírito como tudo se fez. Longe de ser uma obra acabada, a universidade é um processo aberto ao devir.

Gostaria de evocar, à guisa de conclusão, um símbolo nordestino, marca da UNICAP: a Asa Branca. Presto homenagem assim, en passant, aos meus pais, Pedro e Maria do Carmo, que trazem aqui presentes minhas origens sertanejas. No ponto mais alto da UNICAP, no Bloco "A", reina luminosa uma Asa Branca. Fez aqui sua pousada, mas ela permanece em atitude de vôo. Ela é como a nossa ave de Minerva: além de velar sobre a realidade na calada da noite, a Asa Branca perscruta os sinais dos tempos, desde a ameaça da seca ao anúncio do ronco do trovão. Essa "pombinha sertaneja" recorda, o tempo todo, à comunidade unicapiana nossa pertença nordestina e nossa inspiração cristã, pois também o Espírito divino foi representado por uma pomba, símbolo de paz, liberdade e vida. Deixemo-nos, pois, guiar pela Asa Branca: que ela nos abra o caminho, nos ensine o método e nos mostre as veredas que conduzem a verdade que buscamos à vida que desejamos.

Finalmente, quero expressar meu preito de profunda gratidão aos senhores e senhoras aqui presentes, pelo sinal manifesto de acolhida cordial e significativa neste caminho que me é dado trilhar a partir de hoje, não sem o apoio e a colaboração de todos que fazem a comunidade da UNICAP, de maneira afetiva e efetiva. Afinal, esta universidade não é obra de uma pessoa, nem mesmo obra de um grupo: a Católica é uma universidade comunitária e uma comunidade em obra. Por isso, ela será o que nós dela fizermos. A UNICAP é a gente quem faz.

Muitíssimo obrigado.

Recife, 17/01/2006