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Homenagem ao Reitor
Professor Janilto Andrade

Magnífico Reitor,

Ainda uma vez, dirijo-lhe, publicamente, a palavra. Para mim, uma honra; sem dúvida. E também uma grave responsabilidade; com certeza. É que, chamado a representar, nesta solenidade, os professores da Universidade Católica de Pernambuco, uma dúvida me assomou, de pronto, à mente: interpretarei adequadamente, aqui e agora, o pensamento e o sentimento da coletividade docente da UNICAP?

Há quatro anos, saudei-o em nome da comunidade universitária da nossa Instituição; ali, o meu discurso foi talhado com a goiva do júbilo – era a cerimônia de posse de Vossa Magnificência, reconduzido à reitoria daquela Universidade. Agora, aqui me encontro para, em nome do corpo docente da UNICAP, fazer coro com as vozes desta Casa Legislativa na merecida homenagem que se lhe presta, à conclusão do seu reitorado e no instante em que Vossa Magnificência se despede da Cidade Lendária, de Capiba, e retorna à Paulicéia Desvairada, de Mário de Andrade. Aqui, a minha palavra carrega-se de certo travo da despedida.

Permita-me, de saída, declarar que, para os professores da Universidade Católica de Pernambuco, o seu despedimento trava. É que não somos anjos. Não se trata, porém, da saudade “do que poderia ter sido e não foi”, à qual se refere a personagem do poema de Manuel Bandeira. Também não diz respeito àquela outra cantada por Luiz Gonzaga, saudade que “amarga que nem jiló”; não. Trata-se da saudade do que pôde ser e do que poderia, ainda, vir a ser – “saudade assim inté que é bom”. Ademais, como lembra Sancho Pança a D. Quixote, cujos quatrocentos anos comemoramos agora, o que é desumano é o desespero; a sofrência, não. Esta é da condição humana. Tentasse rechaçar esse patos, as minhas palavras seriam perpassadas pela insinceridade. E como declarar, com meias verdades, alto e bom som, o que significou para nós, professores daquela Instituição, o seu tempo de reitorado? Como deixar de ser, nesta circunstância, principalmente, sincero?

Pe. Theodoro Peters, vendo-o chegar, em 1985, investido da função de Reitor da Universidade Católica de Pernambuco, indagamo-nos, num misto de curiosidade e expectativa: a que vem este arauto jesuíta que nos chega do Planalto do Piratininga para a aridez do Nordeste? Diferentemente das areias em que Anchieta escreveu o seu poema à Virgem, era-lhe dado o chão crestado nordestino. Naquele momento, as nossas perguntas, muitas perguntas: o que escreverá o novo Reitor na “lama seca por dentro e rachada por fora” – expressão de Graciliano Ramos, em Vidas Secas – que compõe a geografia desta região? Que norte tomará a Universidade Católica de Pernambuco? Que tática adotará o novo comandante, ao leme do barco, no final da tempestade nacional que terminou por decretar a degradação do Recife, a terceira cidade brasileira, até então? Por que rota levará a nau, nos últimos movimentos da borrasca nacional que acabou impondo o aviltamento de Pernambuco, o mais próspero Estado nordestino, nessas últimas décadas? Como capitaneará a embarcação, através da ressaca que ainda asfixia o sonho, nutrido até recentemente, de correção dos desníveis gritantes existentes entre as ricas regiões do país e esta empobrecida área nacional, o Nordeste?

Vivíamos, ainda, uma década de medo. Precisávamos de alimento e de fogo. Perguntávamos, então: terá o nosso novo Reitor, não “apenas duas mãos”, mas também “o sentimento do mundo”? – expressões de Carlos Drummond. Eis que, vinte anos depois, a nós, professores da Universidade Católica de Pernambuco, urge-nos reconhecer, sem que precisemos desfiar recordações inúmeras: a Congregação dos Jesuítas pôs na regência da sua universidade pernambucana, de 1985 a 2005, um padre cuja obra, nessas duas décadas, à frente da UNICAP, foi inspirada e marcada pelo “sentimento do mundo” – sentimento que, amiúde, burilou arestas, reduziu depressões, nivelou barrancos, moveu montanhas.

Ser de cultura, o homem procura preservá-la. Faz a história e nela inscreve seus documentos. Pe. Peters, documentar a sua administração parece-me já ter sido feito. Consultem-se, nos arquivos da Universidade Católica de Pernambuco, os audiovisuais e os anais No entanto, dar conta, somente através de documentos, do significado de certos atos humanos não me parece inteiramente possível. Na construção do documento, cobra-se, do sujeito que o edifica, imparcialidade; daquele que o apreende, distanciamento. O documento é um registro que tende à objetividade. O documento é frio. Nele, não lugar para emoção. Certos atos humanos que merecem o culto da posteridade, merecem-no porque têm um significado. Significado desses atos humanos, como é possível, apenas, dizê-lo? Sentir é preciso. E como registrá-lo? Não será, unicamente, elaborando documentos. Para isso, o homem, esse construtor de cultura, dispõe de outro recurso: edifica monumentos. O monumento não tem a frieza documental. O monumento, além de documentar, registra com emoção. O monumento tem vida, uma vez que pereniza a vida humana nos seus lances mais intensos e mais significativos.

Magnífico Reitor, ponho em suas mãos o esboço de um projeto de monumento que os professores da Universidade Católica de Pernambuco fariam por bem construir, a fim de registrar, com a emoção das conquistas desses vinte anos e com o travo da despedida, o significado que teve para nós o tempo do seu reitorado. Um monumento simples, mas em cuja fundação seriam empregadas estas matérias primas: sinceridade, verdade e espontaneidade. Monumento composto de capítulos, muitos capítulos. Neste esboço, que agora, aqui, lhe apresento, faço alusão a três desses capítulos, que me parecem definitivamente significativos.

Primeiro capítulo. Impossível acreditar em educadores motivados e em ensino de qualidade sem salários condignos. À sua chegada – por razões que não cabe aqui discutir, nem interessa, nem me compete examinar –, além de conviver com níveis salariais insuficientes, vivíamos certa instabilidade quanto às datas do pagamento dos proventos. Permita-me abrir um parêntese: coincidentemente, Vossa Magnificência chegava para administrar uma Universidade incrustada num Estado da Federação que paga, hoje, os mais aviltantes salários aos professores – o valor de uma hora-aula de um professor da rede pública estadual pernambucana, tendo em vista o salário-base inicial, não vai além da casa dos centavos, conforme recente matéria jornalística da revista Veja. Fecho o parêntese. Voltando-se, de saída, para a questão salarial, o sacerdote jesuíta afirmava sua sintonia com princípios da cultura clássica. O verso da Sátira X do poeta latino Juvenal é este: orandum est ut sit mens sana in corpore sano. Substituo a palavra sana (sadia) por sábia, na segunda parte do verso. Tem-se, então: mente sábia em corpo sadio. Impossível promover debates pedagógicos exitosos, se, antes, não se promoveu a saúde do corpo; impossível crescimento intelectual, se “o sangue que usamos tem pouca tinta” – expressão de João Cabral, em Morte e Vida Severina. Pragmático como demonstrou ser, Vossa Magnificência fez valer, assim, o princípio lembrado pelo apóstolo: todo operário é digno do seu salário. Durante o seu reitorado, aplicando, ano após ano, algum percentual de correção, impediu-se a corrosão salarial do professorado da UNICAP e jamais, nesses vinte anos, a Universidade Católica de Pernambuco atrasou, um dia sequer, os proventos dos seus mestres.

Segundo capítulo. Equilibrada essa questão, o campo estava limpo para cultivar o aprimoramento do corpo docente, um investimento que se fazia urgente, fosse para atender a novos ditames dos poderes constituídos, fosse para alinhar a Universidade entre as instituições com destaque qualitativo, pelo seu projeto pedagógico. Investir no aprimoramento do professorado da Universidade Católica de Pernambuco terá sido uma das mais significativas realizações da sua administração. Os frutos daí decorrentes, ou seja, a constante renovação dos métodos pedagógicos, a modernização das condições de ensino, a melhoria da qualidade no exercício da docência, tais frutos viriam, naturalmente, como vieram, por força dos empreendimentos postos em prática por Vossa Magnificência. De mãos dadas, Reitoria e professorado, cultivamos, com empenho e carinho, essa nova seara. Colhemos os frutos e passamos a conviver com os louros da colheita. Lembrando um episódio: em dezembro do ano 2000, no dia do seu aniversário, dediquei-lhe, emocionado, cópia da minha tese de doutoramento e do meu diploma. Gesto simbólico, cujo objetivo era traduzir a alegria pela obtenção do título. Provavelmente, quisesse, também, ali, evidenciar o sentimento dos professores que enriqueciam academicamente a Universidade Católica de Pernambuco: sentimento de reconhecimento pelo seu apoio e de agradecimento pelo seu incentivo. Quem sabe, essa emoção pode Vossa Magnificência sentir entre os seus doutores cujos títulos estão, de alguma forma, estreitamente ligados à sua pertinência, à sua visão administrativa, à sua completa dedicação à causa da nossa Universidade. Pe. Peters, retorne satisfeito: os mestres e os doutores da UNICAP titulados durante o seu reitorado – ao que se acrescem os mestrados criados e os doutorados em processo – integram uma significativa conquista da Universidade Católica de Pernambuco, nesses últimos vinte anos, e são um fruto do seu trabalho. Neste momento de despedimento, compartilhemos essa alegria, nós e o nosso Reitor, a fim de aliviar essa ponta de saudade que teima em nos fisgar. E, por tanta conquista, os docentes da UNICAP, em júbilo, e com esse ligeiro aperto na alma, só temos que demonstrar nosso reconhecimento e mostrarmo-nos saudosos de Vossa Magnificência.

Terceiro capítulo. Pe. Theodoro Peters, à sua chegada, em 1985, vivíamos, ainda, tempos de medo. Recorrendo à fala do compositor Chico Buarque, andávamos “falando de lado e olhando pro chão”. Misturado aos ais de professores e de estudantes massacrados nos porões da ditadura militar, o eco assustador dos coturnos dos militares ainda soava, medonho, nas nossas mentes. Página infeliz da nossa história, o estado de exceção imposto ao nosso país, de 1964 a 1985, pelo imperialismo americano, com a chancela das nossas elites tupiniquins e com o apoio logístico de alguns políticos brasileiros – inclusive, alguns deste Estado de Pernambuco –, esse estado de exceção fizera estragos tremendos em nossa realidade sociocultural e histórica. Colegas perseguidos com o AI 5. Pesquisadores banidos do país. Estudantes punidos com o ato 477. Alguns professores de araque, impostos às instituições de ensino pelo arbítrio, dedos-duros do regime ditatorial, alcagüetavam colegas e, nas salas de aula, sofismavam descaradamente, na tentativa de fazer acreditar que o silêncio imposto aos centros de produção do saber crítico, como era a UNICAP, era uma conveniência das “democracias fortes”, segundo o seu falar. Gerara-se, desse estado de coisas, um tão esdrúxulo modus dicendi nos nossos centros de ensino, que chegou a levar o então arcebispo de Olinda e Recife, o saudoso Dom da Justiça e da Paz, Hélder Câmara, a esta apóstrofe: “Universidade Católica de Pernambuco, se não és mais a consciência crítica da sociedade, fecha as tuas portas, Universidade Católica de Pernambuco”. Sobreviventes do triste capítulo dessa trágica história, recebíamos Vossa Magnificência num instante de desânimo histórico. Porque ainda portávamos mordaças, porque ainda nos sentíamos acuados, porque ainda estávamos perplexos, nenhum ânimo restava de “falar pra frente e olhar pro alto”. Pois bem, o mais importante capítulo desse monumento a ser construído pelos professores da Universidade Católica de Pernambuco dará conta, precisamente, do resgate, naquelas circunstâncias, da nossa auto-estima. Resgate tornado possível pela segurança e pela determinação com que Vossa Magnificência regeu os destinos da UNICAP durante essas duas décadas. Outrossim, o seu sempre pronto incentivo estimulou o exame crítico do presente, a fim que, ainda uma vez, crêssemos na segura construção do amanhã. Pe. Peters, sua tranqüilidade deu-nos confiança, nesses vinte anos, para voltar a pisar com firmeza os áridos caminhos da construção do saber crítico e analítico. Vossa Magnificência criou condições para que voltássemos a acreditar na possibilidade de reconstrução do estado de direito neste país, desde que puséssemos, como cantara Geraldo Vandré, uma das vítimas da ditadura militar, a certeza à nossa frente e a história em nossas mãos. E assim temos procurado fazer. Agradecemos-lhe, por isso. Por isso, lhe queremos muito bem.

Pe. Theodoro Peters, com certeza, muitos outros capítulos terá o monumento que construiremos para homenageá-lo. Concluído, convidá-lo-emos para a inauguração. Revelo, antecipadamente, o epílogo, que terá ritmo nordestino:

No Recife dos poetas
Um jesuíta passou
No campus da Unicap
Sonhos e feitos plantou
Depois voltou pra São Paulo
Mas seu nome aqui ficou.

Claro que edificaremos esse monumento. Não duvide, Pe. Peters. Não duvide, porque Vossa Magnificência merece, e porque acreditamos ter condições de fazê-lo. E vamos fazê-lo. “Oxente”, claro que sim!

Recife 14 de dezembro de 2005


Boletim Unicap

:: Expediente ::

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