A sanfona dos oito baixos, o chapeú de couro, o sorriso largo, o fraseado perfeito nas letras que incorporam o linguajar do homem sertanejo. O cantor pernambucano Luiz Gonzaga, durante quase meio século, ajudou a criar e amplificar a imagem do nordestino. E virou sinônimo de forró, o gênero musical que ajudou a tornar famoso em todo o Brasil. De quebra, assumiu um papel fundamental na música popular brasileira. Para lembrar o seu centenário de nascimento, esta edição de O Berro é dedicada ao rei do baião.
Com suas músicas e composições, Gonzaga representa a cultura popular nordestina no que ela tem de mais expressivo: a luta contra os elementos da natureza, a camaradagem entre amigos, a singeleza das festas juninas, o gosto pela diversão, a opção pela alegria diante das dificuldades e, também, é necessário dizer, uma dose de machismo. Gonzaga tinha tudo para se tornar uma figura simbólica: talento musical e carisma. Era diferente de todos os outros. Alcançou o sucesso justamente numa época em que, com a proliferação dos meios de comunicação, o Brasil descobria a riqueza cultural de suas regiões.
Gonzaga é também um exemplo eloquente de como as origens modestas de um artista podem gerar um grande fenômeno de massa com qualidade. E que sucesso popular não tem de ser necessáriamente confudido com a mediocridade e a banalização, tão comuns neste início de século 21.
Hoje, assim como é impossível falar do sul dos Estados Unidos sem pensar em músicos como o blueseiro Robert Johnson e o jazzista Louis Armstrong, assim como Cartola e Pixinguinha são inseparáveis dos subúrbios cariocas, não é possível pensar o Nordeste brasileiro sem lembrar a figura de Luiz Gonzaga.
Nas próximas páginas, encontram-se reportagens variadas que tentam explorar a atualidade do legado deixado pelo cantor, sua importância e suas contradições.
Na cidade de Exu, o Parque Asa Branca preserva a casa do cantor e muitos dos objetos que fizeram parte de sua vida. Os moradores da cidade usam, orgulhosos, motivos da sua obra nos nomes no comércio e preservam a memória do filho mais ilustre. No Recife, um circuito cultural e de exposições relembra a figura de Gonzagão, com uma programação que vai crescer neste ano de 2012, por causa das comemorações do centenário.
A feira de Caruaru, imortalizada na letra de Onildo Almeida e cantada por Gonzaga, é tema de outra reportagem. O jornal traz também duas matérias que tratam da relação do compositor com o catolicismo, expressa no disco “O sanfoneiro do povo de Deus?”, e de sua adesão à Maçonaria.
O Berro mostra também a tradição da sanfona dos oito baixos, mantida pelo músico Arlindo, antigo amigo e parceiro de Gonzaga. O mercado de discos de vinil e cds que ajudam a perpetuar a obra do forrozeiro também foi abordado.
Entrevistamos também Toinho do Baião, colaborador de Gonzaga, e que ainda divulga o trabalho dele, e João Silva, que teve a proeza de ter sido seu parceiro em nada menos do que 130 músicas.
Hoje já existem grupos interessados por forró nos Estados Unidos e até no Japão. “Asa Branca”, por exemplo, tem versões cantadas em várias línguas. Só isso já garantiria o nome do compositor pernambucano na história da música.
Extremamente popular no seu tempo, ainda hoje conhecido por todos, Luiz Gonzaga sobrevive ao tempo e já é sério candidado, com o passar dos anos, a se tornar um clássico definitivo da música brasileira.
Marcelo Abreu