Projeto Especial

Padim dos (Des)Crentes

Padre Cícero - corpo Agerp principal

Autora: Raquel Barros   |    Arte: Breno Carvalho    |   Orientação: Alfredo Sotero   |   Ano de produção: 2002.2

 

 

Padre Cícero - corpo Agerp  Epistolário

O trabalho Padim dos (Des) Crentes, integra o projeto interdisciplinar Olhares Sobre os Sertões Pernambucanos e foi realizado para se descobrir por quê apesar da vida do Padre Cícero provocar acaloradas discussões, muitos pesquisadores consideram-no, por causa da grande influência e do poder político que conquistou em vida, um embusteiro, hábil manipulador da fé de seus romeiros; o povo nordestino e os romeiros de todo o Brasil o consideram o fenômeno religioso mais impressionante do país, canonizando-o a revelia da Igreja.

Padre Cícero foi um líder espiritual, um messias que, a partir das suas pregações religiosas passou a arregimentar um grande número de fiéis, numa nova forma de organização popular, que fugiu as regras tradicionais. Padim dos (Des)Crentes foi estruturado na ordem inversa. Tudo começa com o seu exílio em Salgueiro, município do sertão pernambucano, assim como os questionamentos em torno do seu exílio. Este acontecimento ampliou o interesse em dá uma nova ordem cronológica aos fatos que antecederam a suspensão de suas tarefas religiosas, fazendo com que, haja maior compreensão da sua vida, pois, os rumos da sua peregrinação tomaram outros aspectos após sua estada em Salgueiro, foram decisivos para construção e manutenção de sua vida espiritual/política.

As adversidades, os antagonismos encontrados neste trabalho foram sistematizados a partir de pesquisa em cinco livros e sete sites.

 

Padre Cícero - corpo Agerp  Epístola I: o exílio

Salgueiro, 16 de agosto de 1897: “Eu vim para Salgueiro somente com o fim de obedecer às Decisões do Santo Ofício que me impunham deixar Juazeiro dentro de 10 dias, mas sem determinar lugar e tanto mais que minha estada aqui é provisória, somente enquanto trato da minha ida a Roma, de conformidade com as mesmas Decisões. Aqui como no Ceará não tenho feito exercício das minhas ordens considerando-me suspenso seguindo todas as prescrições de meu bispo, não obstante eu, graças à bondade de Nosso Senhor, nunca ter cometido crime e não haver feito coisa alguma que merecesse imposição de penas. É regra de direito e teologia corrente que não se incorre em censuras não havendo crime, contudo a todas as penas que me tenho submetido sem dizer coisa alguma, e disso são testemunhas todos o que me conhecem, e Nosso Senhor é quem melhor sabe que por sua graça nunca desobedeci, nunca pratiquei, nunca ensinei coisa alguma contra a Doutrina da Santa Igreja e nem quero o mal …”

25/9/97: “Estou com muito desejo de ir breve até lá, quando não me esperam, chego. A gente daqui me tem tratado com muita distinção. O Padre João Carlos… não tenho palavras para agradecer a sua caridade. Encarreguei o Manuel Sabino para comprar em Crato umas imagens do Sagrado Coração de Jesus que Joana mandará botar uns pés como ela já sabe e ele acomoda do jeito que não se quebrem …”

24/10/97: “Se Deus quiser, o Juiz de Direito daqui a quem devo muita gratidão, mandou pedir ao Governador de Pernambuco com quem tenho muita amizade, uma passagem para Roma. É provável que alcance depois de uma infelicidade, as desculpas não remedeiam coisa alguma…”

28/10/97: “Só espero na bondade de Deus que me quis, em sua santa vontade, fazer passar por tais ásperas privações, que me dará a sua santa paz. Nosso Senhor sabe que, com sua graça, nunca desobedeci nem pratiquei, nem ensinei coisa alguma contra o ensino da Santa Igreja e nem quero o mal”.

Em 1897, Padre Cícero, viaja a Roma para submeter-se ao Santo Ofício e entender-se com as autoridades eclesiásticas do Vaticano. Sua viagem cria asas no imaginário popular. Em Roma, encontra-se com o Papa Leão 13. Ao tribunal do Santo Ofício ele jura submissão e é bsolvido. Mantém-se, no entanto, a suspensão de suas ordens, sem que ele precise retratar-se. De volta a Fortaleza, apresenta-se ao bispo Dom Joaquim a quem jura obediência. Ao retornar ao Juazeiro, Padre Cícero é recebido como um santo que fora redimido pelo Papa e abençoado por Deus. Para o povo, sua santidade deixa de ser regional para transformar-se em um fenômeno universal.

 

Padre Cícero - corpo Agerp  Epístola II: a suspensão

Em 1887, no auge da guerra de Canudos, Padre Cícero acusado de heresia e com suas ordens religiosas suspensas é obrigado a exilar-se na cidade de Salgueiro, em Pernambuco onde aguarda ser enviado a Roma para se entender com o Vaticano acerca de seu comportamento heterodoxo.

A Igreja e os governantes traçam uma associação entre o movimento de Antônio Conselheiro e as ações do sacerdote, Padre Cícero é acusado de subversão social, de querer fundar uma Igreja dentro da Igreja. Juazeiro é apontado como a “Canudos” mas, logo a comparação e o receio são dissipados. Padre Cícero afirma seu respeito à ordem constituída e à jovem República. Desse modo, ele e Juazeiro ficariam em paz naquele momento de crise na região.

Recife, 14 de agosto de 1897: Joaquim Correia Governador A Lima Barros Juiz de Direito Delegado de Polícia-Salgueiro “Constando Padre Cícero deixou Juazeiro do Crato procurando Canudos para auxiliar Antônio Conselheiro, (indo por Água Branca) peço informeis máxima urgência que há de verdade bem, como qual a distância entre Crato e Rio São Francisco”.

Salgueiro 14 de agosto de 1897: Juiz de Direito ao Senhor Governador.”Afirmamos ser absolutamente falsa notícia Padre Cícero deixou Juazeiro do Crato procurando Canudos para prestar auxílio Antônio Conselheiro … podemos garantir ser ele virtuoso sacerdote completamente hostil movimento sedicioso Canudos, incapaz tentar contra ordem tranqüilidade pública. Do Crato a São Francisco quarenta e uma léguas”.

Padre Cícero estava em pleno trabalho sacerdotal quando recebeu a Portaria de 14 de abril de 1896, suspendendo-o da faculdade de celebrar a Santa Missa. Entretanto, não obedeceu à Portaria e celebrava em casa, no Icó, a portas fechadas.

Deixou o Juazeiro e a sua vizinhança sob pena de excomunhão reservada ao Soberano Pontífice. A portaria dizia que se quisesse recorrer para a Santa Sé contra as penas que lhe foram impostas pelo Diocesano, obedecesse a primeiro aos Decretos apresentados pelo mesmo. Exigia ainda sua presença em Roma dentro do mais breve espaço de tempo possível. Recomendava ainda que procurasse com cuidado e prudência os panos banhados em sangue, as hóstias e outras coisas conservadas como relíquias para queimar; privando dos sacramentos os detentores dos mesmos objetos se não os entregassem ao próprio Bispo, aos párocos ou aos confessores.

Nunca houve nenhuma excomunhão sobre ele e as provas são as seguintes: celebrava missas fora do Juazeiro; só não podia celebrar na Igreja e nas capelas da cidade, assistia missas aos domingos e comungava; um excomungado não pode comungar.

 

Padre Cícero - corpo Agerp  Epístola III: o milagre

Em 1889, ao participar de uma comunhão geral, oficiada por ele, na Capela de Nossa Senhora das Dores, um ano após uma terrível seca, durante 47 dias, um acontecimento extraordinário iria repetir-se: Padre Cícero ao dar a comunhão na boca da beata Maria Madalena do Espírito Santo de Araújo, humilde camponesa, descendente de caboclos da região, vê a hóstia consagrada transformar-se em sangue. Tal fato repetiu-se outras vezes, e o povo achou que se tratava de derramamento do sangue de Jesus Cristo e, portanto, um milagre autêntico.

Padre Cícero tornou-se o verdadeiro mensageiro de Deus e a beata Maria de Araújo uma “santa”. As toalhas com as quais limpava a boca da beata ficaram manchadas de sangue passaram a ser alvo da adoração de todos. Debatido o caso na imprensa, os médicos Marcos Madeira e Idelfonso Correia Lima e o farmacêutico Joaquim Secundo Chaves foram convidados para assistirem as transformações, e depois assinaram atestado afirmando que o fato era inexplicável à luz da ciência garantindo com firma reconhecida em cartório, tratar-se de milagre.

Na mesma época em que foram notados os fenômenos na pessoa de Maria Araújo outras beatas se apresentaram também entrando em estado de êxtase após a comunhão. Os sacerdotes presentes, caridosamente, davam atenção àquela situação em que as mesmas ficavam real ou aparentemente, procurando ouvir o que elas balbuciavam durante o êxtase ou insensibilidade histérica.

Padre Cícero era mentor espiritual da beata Maria de Araújo desde criança, quando ela já apresentava outros fenômenos que foram observados e investigados pelos padres comissionados onde, tinha visões, em que garantia ver a Virgem Santíssima e Jesus Cristo, com quem mantinha diálogos. Também foi Diretor Espiritual de Dona Hermínia Gouveia, outra mística que tinha visões e psicografava tudo a seu mandado.

 

Padre Cícero - corpo Agerp  Epístola IV: o ofício

Após sua ordenação, Padre Cícero retornou ao Crato, onde se apresenta como beato nas pregações que faz em sua paróquia; cabelos e barbas longas, batina esverdeada pelo uso, sandálias e bastão de peregrino. Atraiu para o Juazeiro os habitantes da caatinga que ali vieram habitar. Pouco tempo depois de ter fixado residência em Juazeiro, a pequena população percebeu que ele era um padre diferente: sincero, austero nos costumes, virtuoso, intransigente com o pecado, porém brando com o coração, humilde, conselheiro, compreensivo, acolhedor.

Seu apostolado se inicia de maneira diversa dos demais sacerdotes católicos: não cobrava em dinheiro os serviços religiosos. É o ponto de partida da sua popularidade. Aquela população miserável e enferma encontrava nos conselhos do Padre Cícero os ensinamentos para curas que realmente se efetivavam. Muitas vezes, simples conselhos higiênicos elementares que a população pobre desconhecia totalmente. E vieram as lendas dos milagres…

Dedicou-se a um apostolado marcado por propensões místicas, pautando o programa de sua vida valendo-se, em muitas oportunidades, de sonhos que teve no começo e durante toda sua existência fato presente em alguns sonhos que relatou aos amigos. “Treze homens em vestes bíblicas entraram na escola e sentaram-se em volta da mesa do professor. O homem da cabeceira da mesa, que o Padre Cícero afirmava ser Jesus Cristo, falava aos outros sobre a terra e os seus habitantes. No momento em que o Cristo imaginário levantava-se para dirigir a palavra a seus apóstolos, um bando de retirantes miseráveis entrou na sala. O Cristo, então, segundo relato do sacerdote, olha para ele e diz: E tu Cícero, toma conta dessa gente!”

Este foi um dos sonhos, que o fez ficar definitivamente em Juazeiro, pois a princípio, não era sua intenção ali residir.

 

Padre Cícero - corpo Agerp  Epístola V: as interjeições

Biografia. Cícero Romão Batista nasceu no Crato, Ceará em 24 de março de 1844 sendo filho de Joaquim Romão Batista e Joaquina Vicência Romana. Fez voto de castidade aos doze anos influenciado pela leitura da vida de São Francisco de Sales ordenando-se Sacerdote no Seminário da Prainha em Fortaleza, em 30 de novembro de 1870. Celebrou sua primeira missa no Juazeiro em 1871 onde fixou residência no ano seguinte. Agindo com muita austeridade, cuidou de moralizar os costumes da população, acabando pessoalmente com os excessos de bebedeira e a prostituição.

Proibido de celebrar, Padre Cícero ingressou na vida política na hora em que os juazeirenses esboçavam o movimento de emancipação política sendo eleito, prefeito do recém criado município. Também ocupou a vice-presidência do Ceará.

Em meio a sua decadência física e política, Padre Cícero faleceu em 1934, aos 90 anos. O povo sabia de sua doença, mas, desconhecia a causa, pois ele guardava absoluto segredo. Por recomendação dos médicos, chegou a tomar nos últimos dias de vida o medicamento “estrichnina fraisse”. A estrichinina é um veneno, mas, em pequenas doses pode ser vir como um estimulante tônico e nervoso.

Antônio ConselheiroLampião… Antônio Conselheiro também tinha um discurso messiânico e arregimentou a gente sofrida do sertão fazendo com que, o arraial de Canudos possuidor de milhares de pessoas, desagradasse profundamente os coronéis comprovando ser possível viver de uma forma digna, sem estar sob as botas dos coronéis. Ao contrário, o Padre Cícero era um aliado dos coronéis do Vale do Cariri, que a partir de 1912 lutaram contra a política de intervenções do Governo Federal e derrubaram o governador Franco Rabelo. Em lugar de assumir a luta de seus crentes, utilizou seu prestígio para manipulá-los, transformando-se num dos mais poderosos latifundiários e chefes políticos sertanejos de sua época, contribuindo assim, para a manutenção das estruturas sociais e fundiárias nordestinas.

Mesmo Padre Cícero afirmando que, só encontrou Virgulino Ferreira da Silva o Lampião, uma única vez e que nunca lhe deu a patente de Capitão, nos dias 4, 5, 6 e 7 de março de 1926 Lampião esteve em Juazeiro a seu pedido. Na ocasião, também recebeu a patente de Capitão do Batalhão Patriótico para perseguir a Coluna Prestes.

 

Padre Cícero - corpo Agerp  Epístola V: as interjeições

Um milionário? Padre Cícero prefeito, coronel e manda-chuva do Município do Juazeiro desde a sua criação em 1911 deixou um patrimônio milionário, que incluía entre uma vastidão de outros bens, a propriedade de 34 fazendas em Juazeiro do Norte e em outros municípios do Vale do Cariri, sul do Ceará.

Oficialmente, a ordem dos Salesianos foi à maior beneficiada com o riquíssimo espólio do patriarca, entretanto o benefício maior coube a Diocese do Crato com 493mil contos de réis em valores da época mais do que o dobro dos Salesianos (183 mil contos de réis), que vem em segundo lugar.

A Diocese do Crato foi a que mais perseguiu Padre Cícero, às vezes implacavelmente, seja no caso do suposto milagre, seja no que diz respeito à forma que ele vinha acumulando à custa de doações e mais doações de seus fiéis. Mesmo sabendo desde 1934 que a Ordem dos Salesianos havia sido a maior beneficiada, os quatro bispos que a comandaram, até hoje, mantiveram silêncio.

A canonização. Padre Cícero Romão Batista poderá ser reabilitado pela Igreja Católica. Este ano, o atual bispo do Crato, o italiano naturalizado brasileiro Dom Fernando Pânico, instituiu uma comissão para estudar a história do Padre Cícero. Se o bispo de Crato se convencer da sua retidão, poderá até, solicitar ao Vaticano a abertura de um processo de canonização do Cearense do Século. A hierarquia católica poderá suspender a condenação que ainda paira sobre aquele padre. Passados 68 anos de sua morte, grande parcela da população, em sua religiosidade simples, o considera um santo.

 

Referências

DUMOULIN, Anne; GUIMARÃES, Stella Therezinha. O Padre Cícero por ele mesmo. Vozes: Rio de Janeiro, 1983.

FACÓ, Rui. Cangaceiros e fanáticos. 9. ed. Bertrand Brasil, 1991.

MENEZES, Fátima. Padre Cícero: do milagre a farsa do julgamento. Recife: Bagaço, 1998.

OLIVEIRA, de Xavier Amália, O Padre Cícero que eu conheci. 3. ed. Fundação Joaquim Nabuco, Massangana: Recife, 1982.

http://bayder1.bayderjbc.com.br/

http://www.camara.gov.br/inacioarruda/pronunciamentos/padrecicero.htm

http://diariodonordeste.globo.com/2000/105/29/010036htm

www.lj.ce.gov.br/mm_test_padre_cicero.htm

http://nlink.com.br/~lume/juazeiro.htm

http://www.walker/home2.htm

http://www.walker/home3.htm

 

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