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Canudos ainda é tema de cordéis
Por Mariana Oliveira
A Guerra de Canudos foi, ao longo dos anos, fonte de inspiração para a literatura de cordel e para as antigas cantorias. Apesar de tratarem, hoje, de temas mais atuais, personagens históricos como Lampião, Padre Cícero e Antônio Conselheiro ainda povoam o imaginário de cordelistas e cantadores.
O cordel começou a surgir na mesma época em que Euclides da Cunha começava a escrever “Os Sertões”. Mesmo estando presente nos versos, Conselheiro não chegou a ser tão popular quanto Padre Cícero e Lampião. “No caso do Cangaço foi diferente. Lampião e seus companheiros apareceram na melhor fase do cordel, por isso se tornaram tão populares”, explica o escritor e colaborador da revista Continente Multicultural, Ronaldo Correia Brito.
O escritor do romance de cordel “As Três Marias”, Wilson Freire, acha natural que Conselheiro tenha sido diluído na memória do povo. “Hoje, a literatura de cordel se centra em temas atuais. Um dos grandes ícones recentes é Frei Damião. O cordel é um verdadeiro camaleão de papel”, afirma. A poesia popular se modernizou. Existem cordelistas que saem à procura de notícias para transformá-las em cordel. “Isso me lembra o início, quando os folhetos eram a única fonte de informação do povo”, recorda Freire.
Mesmo assim, ele acredita que existem vários cordéis importantes que tratam de Canudos. “O próprio Euclides da Cunha traz, em ‘Os Sertões’, alguns versos que faziam parte da oralidade do povo daquela época. Se isso fosse posto no papel, seria literatura de cordel”, observa. O poeta João Melchiades Ferreira da Silva, que era soldado da República, no período da Guerra de Canudos, escreveu cordéis. “É interessante ver, em seus versos, a visão republicana da guerra. Já Patativa do Assaré apresenta a visão de um canudense, defendendo a rebelião”, compara Wilson Freire. De acordo com o escritor, existem grandes indícios de que o próprio Conselheiro era poeta. “Ele escrevia versos que poderiam ser transformados em cordel”, ressalta.
No interior do Estado, em Caruaru, Conselheiro ainda tem um grande destaque. O cordelista José Cavalcanti Ferreira, mais conhecido como Dila, faz cordéis que tratam da Guerra de Canudos. “Lampião e Conselheiro ainda são muito procuradas pelo povo e pelos turistas”, conta o artista, que produz manualmente, em sua casa, todos os seus cordéis. Dila aprendeu com seu pai a técnica de produção dos cordéis, mas os temas, segundo ele, vem da vivência e dos personagens marcantes que passaram e passam pela vida dos sertanejos.
Na maioria das vezes, é o boca-a-boca feito pelo povo que divulga a história de Canudos. O cantador Edmilson Ferreira conhece o livro, no entanto acredita que a maioria dos poetas populares não têm contado com a obra de Euclides da Cunha. Ele lembra que o tema de “Os Sertões” já foi muito utilizado, mas que hoje se canta de tudo. “Essa idéia de que nós só cantamos coisas relacionadas ao Nordeste é errada. Há cantadores falando de Bush e Sadam Husein”, afirma. Contudo Ferreira destaca que Lampião e Conselheiro vão ser sempre referências para os artistas populares.
Luiz Gonzaga popularizou imagem da região
Por Karlilian Magalhães
Este ano, Luiz Gonzaga estaria completando 90 anos, quase o mesmo tempo da obra centenária “Os Sertões”, de Euclides da Cunha. Apesar de terem tido formações diferentes, ambos se voltaram para o mesmo tema, o sertão.
A professora de literatura Lorena Bezerra faz uma comparação entre os dois. Diz que Euclides da Cunha descreveu o sertão de uma forma mais analítica e elitista, mesmo porque ele não viveu a miséria, apenas conviveu com ela, e estava ali como jornalista. E Luiz Gonzaga cantava a dor e a alegria do seu povo com olhos de nordestino, numa linguagem simples e emotiva.
Falando nas obras, o historiador Ramsés Xavier acredita numa certa semelhança entre as músicas de Gonzaga e o livro de Euclides. Em canções como “Asa Branca”(1953) e “Vozes da Seca”(1947), por exemplo, o cantor falava em temas como o coronelismo, a seca e o Nordeste desprezado. Tópicos também abordados em “Os Sertões”, mas de maneira científica, buscando explicações para o problema nordestino.
Eterno Gonzaga - Fome, miséria, seca. Dezenas de pessoas migrando para o sul do país, por não ter como sobreviver em sua terra natal. É essa a imagem que se tem do sertão nordestino. Mas o que poucos sabem e o que Euclides não escreveu é que nessa região, apesar das dificuldades, existem histórias, romances, belezas naturais, um povo sensível. E o principal, foi de lá que saiu Luiz Gonzaga, um sertanejo semi-analfabeto que ganhou o Brasil e mesmo após a sua morte, é lembrado e homenageado.
“Ninguém fala no Nordeste, na cultura, nas belezas, sem falar em Luiz Gonzaga que foi tudo isso”. A jornalista paraibana Lurdes Coelho se considera apaixonada pela obra do “véio Lula”. E, inspirada na história dele, fez o cordel “Um Matuto Cantadô”. Em 1999, quando era editora de cultura da “Folha de Pernambuco” fez uma reportagem especial, que ganhou capa no caderno “Programa”. “Minha admiração vai além da obra desse matuto. Eu o admiro como homem autêntico que era”.
Seguindo a linha dos apaixonados pela obra de Gonzaga, o cantor Israel Filho tem motivo suficiente para nunca deixar de cantar o ídolo. Foi este quem lhe apresentou a Capital do Forró, em 1985, consagrando-o de vez na região. Em todo o show que faz, canta músicas do “Rei do Baião”. E lembra: “Ele foi, é e continuará sendo o estandarte maior da nossa regionalidade e cultura”.
Gonzaga também foi lembrado no cinema, através do filme “Viva São João!”, de Andrucha Waddington. “Não há como pensar na música nordestina sem pensar em Luiz Gonzaga”, disse o diretor carioca que, no longa, mostrou o sertão nordestino ao som de músicas do Rei do Baião. Com tantas homenagens, a viúva de Gonzaga, Edelzuíta Rabêlo, sente-se honrada e diz que tudo isso é uma resposta ao pedido emocionado feito pelo marido no último show que fez, no Teatro Guararapes, em 1989: “Não deixem morrer o forró!”