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Professor “traduz” texto original

Por Cláudia Silveira

Pertencente à escola literária pré-modernista, “Os Sertões”, este ano, somente consta no programa de vestibular das universidades federais no Estado. Para a estudante Juliana Oliveira, 16 anos, candidata a uma vaga em Administração de Empresas, tanto na universidade pública quanto na privada, a “tradução” de obras literárias realizada pelo professor, em sala de aula, é de grande importância. “Jamais vou ler ‘Os Sertões’ e, por isso, prestei bastante atenção na aula sobre o livro para poder me sair bem caso caia alguma questão nas provas do vestibular”, revela a estudante.

Nos vestibulares realizados pelas principais instituições de ensino superior em Pernambuco, nem a Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), nem a Universidade Estadual de Pernambuco (UPE) traz o escritor Euclides da Cunha em seu programa de vestibular. No concurso da Unicap, não há um fator que determine, ou não, a exigência de um específico escritor ou obra literária em seu concurso. “O conteúdo das provas é periódico”, acrescenta Janilto Andrade, professor da Unicap responsável pela elaboração das provas de literatura brasileira do concurso vestibular da universidade.

De acordo com o programa de vestibular da UPE, o concurso pretende avaliar do vestibulando a capacidade de apreender e expor idéias que conseguiu formar a partir da análise literária. Já na Unicap, onde a prova de literatura brasileira é a mesma para quem tenta uma vaga em cursos da área de Ciências Humanas ou Exatas, questiona-se sobre a obra através da interpretação de textos.

Segundo Janilton Andrade, as questões elaboradas no concurso da Unicap se adaptam ao nível médio de conhecimento do vestibulando. “A gente pensa na realidade do aluno”, acrescenta o professor que considera “Os Sertões” como obra de alto grau de dificuldade para quem concorre a uma das vagas oferecidas pela Unicap. “É difícil não por conta da obra, mas pela falta de leitura dos jovens”, revela.

Sala de aula - “Euclides da Cunha rompeu com a tradição linguística e temática da época. Por ser engenheiro de formação, escreveu uma das partes da obra, ‘A Terra’, como geografia física, o que torna o vocabulário impregnado de ciência. Além disso, ele externa sua visão determinista sobre níveis raciais através de uma adjetivação pesada, cheia de exuberância vocabular”, afirma a professora de literatura brasileira para vestibulandos, Flávia Menezes.

De acordo com a educadora, ensinar “Os Sertões” para estudantes do ensino médio torna-se uma batalha visto que o hábito da leitura é praticamente inexistente entre os adolescentes. “A obra de Euclides da Cunha é uma reportagem ensaística, tem uma tese, e para o estudante, ler toda a obra é inviável. É nessa hora que o professor entra em ação ajudando o aluno”, ressalta Flávia Menezes.

A ajuda do professor surge a partir da elaboração de resumos e explanação sobre obras literárias em sala de aula. “O professor ‘traduz’ a obra, contextualizando-a, para que haja compreensões exteriores, ou melhor, um acontecimento do presente pode explicar algo que está na obra”, revela Flávia Menezes, referindo-se a artigos publicados em re-vistas semanais que tratem do mesmo assunto que “Os Sertões”: a miséria brasileira e a exclusão do sertanejo e que são utilizados em sala de aula.

Para a professora de literatura brasileira, Lorena Bezerra, ensinar obras literárias rebuscadas, como “Os Sertões”, faz parte do ofício de educador. “De início, a gente tenta fazer com que os estudantes leiam o máximo possível das obras a serem ensinadas. Mas, como sabemos que é muito complicado para eles, ‘traduzimos’ o livro, explicando pontos importantes do texto em sala de aula”, afirma a professora.

Segundo Flávia Menezes, Euclides da Cunha pode ser considerado um autor vanguardista na literatura brasileira. “Aos escritores pré-modernistas interessavam assuntos do dia-a-dia dos brasileiros como, por exemplo, a denúncia da realidade nacional, o Brasil não-oficial do sertão nordestino e dos subúrbios. E como podemos perceber, hoje em dia, este tema ainda é muito atual o que torna mais fácil a percepção do aluno”, afirma a educadora.

 

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Estudantes consideram leitura difícil

Por Renata Coutinho

Apesar de ser uma das maiores obras da literatura brasileira e até mesmo mundial, o livro “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, gera uma certa aversão e temor nos estudantes. Os alunos reclamam do volume da obra no que diz respeito ao número de páginas (a primeira edição tinha 637 páginas). Os professores reintegram essa dificuldade dos estudantes e alegam que a densidade de vocabulário, o uso de termos científicos e as formas gramaticais mais complexas geram um entrave à leitura.

Diante da possibilidade de ler “Os Sertões”, a estudante Geórgea Santos, 17 anos, diz que, “se tiver de ler, fazer o quê, mas não vai ser por gosto”. Ela reflete o pensamento de vários estudantes das escolas do Recife. A aluna, que está cursando o 3º ano do Colégio Maria Auxiliadora, conhece superficialmente o conteúdo da obra, mas não se sente atraída para ler. Segundo ela, o livro é muito detalhista e grande. Já a também estudante, Ilana Guerra, 18, aluna do Contato, não demonstra entusiasmo quando perguntada se conhece o livro: “é aquele da Guerra de Canudos, grosso, antigo e complicado”.

A professora de português do Maria Auxiliadora, Adelita de Santana, acredita que a pouca aceitação da obra pelos alunos reflete a pressa que o jovem tem em fazer tudo. “Os jovens estão acostumados ao imediatismo e esse livro remete muito mais reflexão”, afirma a professora. Ela também considera que o livro é apresentado muito cedo (durante o ensino médio) aos estudantes, quando eles não estão suficientemente maduros.

Dayanne Quintela, 17 anos, aluna do 3ºano do Colégio Souza Leão, revela-se impaciente com a possibilidade de “perder” tanto tempo com a leitura do livro. “Acho que vou pegar um resumo para me preparar para o vestibular, ou conversar com alguém sobre o assunto”, afirma. Ela sabe que a obra é importante, mas nunca se sentiu atraida para ler e comenta: “Se tivesse sido cobrada a ler antes, não estaria no sufoco agora”.

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Estudantes do Ensino Médio

Foto: Bruno de Castro