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Novas igrejas revivem fanatismo

Por Carlos Eduardo Santos

O fanatismo religioso é um fenômeno registrado desde a idade média, atingindo diversos povos e classes sociais. Vários grupos e seus líderes sempre chamaram a atenção de estudiosos e religiosos, inclusive em casos no Brasil. Talvez o maior deles tenha acontecido na região em que o povo se atém mais à religião, o Nordeste. No final do século 19, Antônio Conselheiro chegou a reunir dez mil fiéis numa só ocasião, em Canudos. Hoje em dia, em pleno século 21, novas igrejas surgem e reúnem centenas de fiéis, deixando para trás as religiões tradicionais.

As Igrejas Universais são algumas dessas novidades que ganham milhares de adeptos por ano, nesse início de século. A devoção de seus fiéis beira o fanatismo, em cultos que lotam os templos, verdadeiros galpões que chegam a abrigar centenas de pessoas. De acordo com o teólogo e professor Degislando Nóbrega, 35 anos, não existem mais grupos fanáticos e, sim, casos isolados de fanatismo. Segundo ele, nas Igrejas Universais não é diferente.

“As pessoas que passam por alguma dificuldade, que não precisa ser financeira, procuram uma referência. Antigamente, as instituições tradicionais supriam essa carência; hoje em dia, as novas igrejas tomaram esse lugar no papel do pastor”, afirma o teólogo. Segundo Nóbrega, o contexto socioeconômico e a globalização na qual o mundo vive, neste início do século 21, alimentam o fanatismo. “Algumas pessoas não conseguem resolver seus problemas e transferem essa responsabilidade para o grupo, no caso da religião, seu líder espiritual mais os outros fiéis. Algumas pessoas que se sentem excluídas se dedicam a uma religião para se sentir parte de uma sociedade”, completa o teólogo.

Com um tom alto de voz e com ênfase nos gestos, os pastores das igrejas do novo século fazem verdadeiros shows em reuniões que duram mais de duas horas. Os líderes dessas igrejas se diferem dos pregadores de antigamente, na sua visão de mundo. Adaptar-se ao mundo atual é o objetivo dos fiéis atuais, orientados por líderes diferentes de Conselheiro, por exemplo, que pregava a luta por um mundo melhor.

O pastor auxiliar Aílton Neves, 29, da Igreja Universal de Ipojuca, Mata Sul do Estado, não acredita em fanatismo no seu templo, mas em dedicação dos fiéis. “Quando as pessoas encontram Jesus no coração se empolgam e se dedicam a ele”. A dona de casa Meiriane Silva, 47, concorda com o pastor e afirma ter parado de beber e fumar após começar a freqüentar a igreja. “Aqui me sinto bem. A igreja me ajuda e eu a ajudo.” Meiriane chega a pagar o dízimo com o vale transporte que o marido dá a ela.

Nóbrega acredita que o pagamento do dízimo é a busca da prosperidade por parte do fiel. “Caso algo melhore, o fiel vai fazer questão de pagar de novo. Há muitos charlatões nessa área que se aproveitam do povo, mas não são todos”.

 

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Cinema brasileiro aborda fome, seca e miséria

Por Milena Saraiva

A diversão pode não ser o ingrediente adequado quando o assunto é Cinema Novo. O movimento criado na década de 60 do século passado surgiu com o objetivo de aquecer a discussão política sobre temas que envolvessem, sobretudo, a problemática social. O sertão entra em cena com a proposta de retratar o mundo vivido por um povo brasileiro até hoje marginalizado. As representações populares nordestinas ganharam força nas películas, exibindo personagens carregados pelo sofrimento, fome e miséria. A então criada linguagem cinematográfica reflete a nova identidade cultural assumida pela sétima arte, deixando para trás a influência européia nas telas. Na literatura, Euclides da Cunha chegou à conclusão de que o “sertanejo é antes de tudo um forte”, e o cinema tratou de mostrar sua dura sobrevivência nesse meio.

O marco inicial do Cinema Novo é “Vidas Secas” (1963), de Nelson Pereira dos Santos, um clássico adaptado da obra de Graciliano Ramos, que trata do drama dos retirantes da caatinga. Em “Grande Sertão: Veredas” (1970), do diretor Anselmo Duarte, movimentos sociais como o messianismo e o cangaço revelam características marcantes da maioria dos nordestinos. Para os especialistas em cinema, o divisor de águas da época foi “Deus e o Diabo na Terra do Sol”( 1964), de Glauber Rocha. De acordo com a crítica internacional, o filme está entre os dez melhores do mundo.

“A televisão francesa sempre exibe essa produção porque ela possui uma estética inigualável”, afirma Pedro Arão, cineasta do Museu da Imagem e do Som de Pernambuco (Mispe). De acordo com ele, o episódio de Canudos serviu como fonte inspiradora para a realização de filmes com temas nordestinos.

“Árido Movie” foi a expressão utilizada pelo cinema pernambucano para abordar temas que tratem das agruras do sertão. Um dos mais bem-sucedidos produtos dessa nova estética foi o filme “Baile Perfumado” (1996), rodado na cidade de Águas Belas(PE) e nos estados da Bahia, Alagoas e Sergipe, tendo a assinatura dos diretores Paulo Caldas e Lírio Ferreira. No enredo, Lampião pôde ser visto não apenas como um cangaceiro cruel das brenhas nordestinas, mas como um homem que cultivava hábitos modernos, utilizando perfume francês, de uma sociedade elitizada.

Mais uma vez a família sertaneja mereceu destaque com o episódio centenário da “Guerra de Canudos” (1997). Segundo o diretor Sérgio Rezende, a película reproduz a vida de um personagem fantástico chamado Antônio Conselheiro. A forma inusitada como o beato construiu o arraial de Belo Monte e o trágico final do seu líder e do povoado podem ser a fórmula garantida para a realização de um filme. “Acho que o cinema está sempre à procura de grandes histórias. O que mantém a história de Canudos viva cem anos depois é o desejo de decifrar os mistérios dos acontecimentos”, garante Rezende.

História - “Nhô Anastácio chegou de viagem”, de 1908, foi o primeiro filme nacional a exibir os costumes e a vida do povo sertanejo. Essas iniciativas foram uma tentativa de se preservar a identidade nacional de um país marcado pelas diferenças geográficas e econômicas. “A redescoberta nordestino e de suas tradições são um resgate das culturas do nosso país”, afirma Pedro Arão.

Crise - Para o crítico de cinema Fernando Spencer, o Nordeste, apesar de ser um celeiro cultural, enfrenta discriminação da iniciativa privada e também da platéia nacional. “Canudos foi um bom filme, mas despertou pouco interesse. O ideal seria transformar o cinema numa arte mais popular”, conclui.

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Cena do Filme 'Guerra de Canudos"

Foto: Estevam Avellar | Divulgação