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Pernambucanos retratam Canudos

Por Sheyla Pinheiro

Em meados de 1897, a quarta expedição com suas duas colunas marchava rumo a Canudos. A primeira coluna saiu de Queimadas na Bahia, levando consigo o tenente-coronel de Bom Conselho, Enídio Dantas Barreto. Enquanto isso, na coluna Savaget - que partia de Aracaju - o pernambucano radicado em Niterói, Manoel Benício, retratava a guerra enviando reportagens para o “Jornal do Comércio” do Rio de Janeiro.

Com perspectivas diferentes sobre a guerra, os dois pernambucanos publicaram livros a respeito de Canudos anos antes de Euclides da Cunha lançar “Os Sertões”. Manoel Benício viu de frente as primeiras operações de combate da expedição que conquistaria a guerra. “A coluna Savaget foi a primeira a sofrer os ataques dos conselheiristas e teve 200 mortos”, afirma a professora de pós-graduação da UFPE, Isabel Guillen. “A partir de suas observações, Manoel Benício envia, ao Rio, textos denunciando a desorganização da quarta expedição”, relata José Ernani Souto Andrade, professor do departamento de História da Universidade Católica de Pernambuco.

Militar reformado, Benício fez severas críticas às estratégias de guerra utilizadas e, por isso, foi substituído. “Manoel Benício, então, volta ao Rio de Janeiro depois de passar mais de um mês no teatro de guerra”, diz o pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, Frederico Pernambucano de Melo. Dois anos depois, o “Jornal do Comércio” do Rio reúne as reportagens do pernambucano e publica o livro “O Rei dos Jagunços” (que teve sua 2ª edição lançada somente em 1997 em parceria com as fundações Getúlio Vargas e Assis Chateubriand).

Com informações sobre o estilo de vida do sertanejo, “O Rei dos Jagunços” descreve Antônio Conselheiro a partir de histórias contadas nos povoados onde o beato passava, “sendo válida por apenas como uma crônica de costumes sobre os habitantes de Canudos”, comenta o historiador e geógrafo Manoel Correia.

Ex-governador - Dantas Barreto, ao contrário de Benício, permaneceu em Canudos até o fim da guerra, sendo um dos poucos oficiais a resistirem por mais de cinco meses em serviço. O tenente-coronel - que, dezessete anos à frente, seria governador de Pernambuco - foi encarregado de fazer a contagem das casas do arraial e, como mérito, recebeu o comando do 25º Batalhão de Infantaria. Com a morte de Antônio Conselheiro, Dantas Barreto vai a Porto Alegre e lá escreve “A Última Expedição a Canudos” - um livro de memórias que teve a única edição publicada em 1898 pela editora gaúcha Franco & Irmãos (em 1905, Dantas Barreto modificou o título do livro para “Destruição de Canudos”).

Extremamente citado por Euclides da Cunha, o livro de Dantas Barreto não conseguiu amenizar a visão determinista de “Os Sertões” a respeito do povo sertanejo. Descrito sob o olhar do pernambucano de origem pobre, o livro retrata a função social que um beato exerce no Sertão. Para Pernambucano de Melo, Euclides da Cunha recusou à análise de Dantas Barreto, limitando-se a observar a Guerra de Canudos através de uma distância utilizada por métodos científicos, que atualmente são considerados ultrapassados.

 

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Escritores se inspiram na literatura de Euclides

Por Thais de Paula

O escritor e jornalista, Raimundo Carrero, teve o início da profissão marcada pelo estilo literário de Euclides da Cunha. A primeira obra dele, “A História de Bernardo da Soledade”, de 1975, trata de uma família, que se tranca dentro de casa para morrer envolvida nas próprias lendas e mitos. O texto possui um estilo seco, com frases curtas, porém denso, onde a reflexão é feita a partir de metáforas.

De acordo com Raimundo Carrero, a influência está exatamente na linguagem rápida. “Muitos estudiosos costumam dizer que Euclides não escrevia com a caneta e, sim, com o cipó, devido à secura do texto”. Na opinião dele, “Os Sertões” é uma leitura básica para a literatura e sociologia. “O livro retrata o fanatismo nordestino no interior e interpreta a vida brasileira no campo. É fundamental para conhecer a cultura do país”, sintetiza.

O poeta Alberto da Cunha Melo também considera “Os Sertões” uma obra fundamental para a nação e literatura brasileira. Para ele, Euclides da Cunha foi um ensaísta que mostrou a realidade sob diferentes ângulos. “Ele revela o Brasil real, os dois brasis: dos dominadores e dos dominados”, opina.

Cunha Melo diz seguir a linha construtivista nas obras dele. “Gosto de poesia trabalhada, com esforço artesanal. Seria um João Cabral de Melo Neto”. Mas, destaca a importância da linguagem euclidiana. “Pode ser assemelhada com a literatura de Machado de Assis, devido à força expressiva de Euclides”.

A única ressalva do poeta sobre o conteúdo de “Os Sertões” está na linha científica. Ele explica que Euclides da Cunha era preconceituoso porque dizia que um criminoso nasce com características específicas. De acordo com Cunha Melo, “a visão maior do Brasil real está em ‘Os Sertões’, descontando o viés científico da época”.

Crítica - Com uma visão contrária, está o escritor pernambucano, José Américo de Lima. “Do ponto de vista literário, Euclides da Cunha tinha uma linguagem desnecessariamente erudita e isso seleciona quem vai ler o livro”, opina.

José Américo pesquisou durante três anos a temática de “Os Sertões” e, em 1997, lançou o romance histórico “Canudos: a maldição dos excluídos”. Além da linguagem, ele afirma que o conteúdo da obra de Euclides da Cunha merece ser contestado.

Segundo José Américo, existem in-formações contraditórias e omissas. Um exemplo seria o fato de Euclides da Cunha ser genro de um general do Ministério da Guerra. “Euclides estava moralmente comprometido. Tanto que ‘Os Sertões’ foi lançado depois da morte desse general”.

José Américo também considera o livro uma obra incompleta, porque não relata as conseqüências da Guerra de Canudos. “Durante cinco anos, o exército escravizou mulheres e prostituiu crianças”. E diz ainda que “‘Os Sertões’ só é uma literatura básica de conhecimento, porque mostrou o Brasil marginal para o mundo, além de ser pioneira no assunto”.

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