O sertão do semi-árido e do flagelo da seca só chegou ao cinema brasileiro na década de 60. Até então a região fora praticamente ignorada como tema ou cenário para produções cinematográficas de ficção e mesmo documentários. Existem poucas exceções. Devidamente registradas podermos citar as imagens feitas por Benjamin Abrahão, em 1936, documentando as atividades de Lampião e seu bando na caatinga; e o filme de Lima Barreto, O Cangaceiro, de 1953, também inspirado no banditismo nordestino, mas rodado no interior de São Paulo e apresentando os cangaceiros montados à cavalo e agindo como caubóis dos filmes americanos.

Coube ao paraibano Linduarte Noronha, acompanhado do cinegrafista pernambucano Rucker Vieira, a realização, em 1960, de Aruanda - um documentário mostrando a vida de remanescentes de um quilombo no interior da Paraíba - desvendar para o país a paisagem árida e a miséria na qual o povo nordestino estava mergulhada. O filme, descoberto pelos cineastas que estavam naquele momento buscando rumos para o cinema nacional, tornou-se uma espécie de libelo em imagens da proposta de um cinema baseado numa estética despojada onde a escassez de recursos técnicos fosse aliada do subdesenvolvimento na definição de uma nova linguagem para a arte cinematográfica.

O movimento do Cinema Novo - liderado por Nelson Pereira dos Santos e Glauber Rocha - foi, então, buscar no sertão nordestino o motivo e a inspiração para seus filmes tornando visível uma realidade até então conhecida, sobretudo por meio da literatura, mas pouco vista nos centros urbanos do país. Vidas Secas, de Santos - adaptação do romance de Graciliano Ramos -; Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Rocha; e Os Fuzis, de Ruy Guerra, todos realizados em 1963, foram os primeiros a seguirem esta trilha.

Aclamados no mundo inteiro, esses filmes são hoje considerados obras clássicas de nossa cinematografia e em muitos aspectos não perderam sua atualidade. Esteticamente, eles marcaram o cinema brasileiro e suas imagens ainda são referências para as produções que se seguiram. Do ponto de vista temático, passados mais de 40 anos, o sertão nordestino e seus habitantes ainda sofrem com a irresponsabilidade pela qual os caprichos do clima são tratados, algo que essas obras apontaram com a crueza necessária.

Ver ou rever as representações do sertão nordestino a partir da perspectiva dos cineastas brasileiros é, dessa forma, uma excelente oportunidade de repensar nossa identidade cultural e compreender a formação de nosso imaginário, um exercício ao qual não devemos nos furtar jamais.

Alexandre Figuerôa
coordenador do Revezes