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Sertanejo leva vida dura, mas feliz
Por Viviane Arruda
Para Euclides da Cunha, autor de “Os Sertões”, a força do homem sertanejo está em tudo o que ele faz e também no que ele é. Uma das suas frases mais famosas resume isto: “O sertanejo é antes de tudo um forte”. O clima e a aridez das terras secas, refletem, no rosto de cada habitante, a vida dura que levam, e mesmo as coisas não sendo tão fáceis, eles enfrentam o dia-a-dia sem desanimar, derramando o suor no trabalho.
Olhar o sertanejo de hoje e comparar com aquele que habitou os sertões de cem anos atrás é contemplar uma realidade semelhante e, ao mesmo tempo, cheia de influências do chamado “mundo civilizado”. Na cidade de Carnaíba, no sertão pernambucano, as coisas não são diferentes. Sobreviver a todas as dificuldades que o lugar apresenta e ainda conseguir ser feliz é uma realidade de muitos que habitam as terras da região.
É o caso de Benedita da Silva, 52, que veio morar na cidade em 1960. Agricultora desde criança, aprendeu a profissão com o pai. Mesmo depois que casou, a agricultura nunca deixou de ser parte de sua vida. Há 32 anos casada com Severino José da Silva, 61, eles levantam todos os dias às quatro e meia da manhã para cuidarem da roça onde plantam milho, feijão e palma. Eles também criam cabras e têm três cabeças de gado no pasto, de onde conseguem leite para alimentação. A economia da família é praticamente de subsistência e o que sobra da colheita é vendido na cidade para comprar alguns utensílios domésticos para a casa e para os oito filhos do casal.
Ao entrar na casa de dona Benedita e de seu Severino, pode-se perceber a simplicidade do lugar. Uma casa simples, típica do interior, mas acolhedora. Na parede da sala, fotos de padre Cícero e de Frei Damião. “O que a gente tem que pedir a Deus, a gente pede diretamente a ele. Por padre Cícero e Frei Damião eu guardo muito respeito”, disse dona Benedita. A religiosidade dela, uma autêntica sertaneja, está voltada para o Deus que está no céu, diferente da influência marcante de Antônio Conselheiro no sertão da Bahia.
Para ressaltar a influência do mundo moderno, é interessante a presença da televisão bem no meio da sala, coisa que antigamente não existia nas casas do sertão. Com ela, os hábitos dos moradores também mudaram. Jenessi Vieira Sobrinho, 25, é um exemplo dessa nova geração. Sendo o mais velho de dois irmãos, ele trabalha como oleiro e acorda às cinco da manhã para fazer tijolos numa olaria perto de sua casa. Além da agricultura, esse é um tipo de atividade bastante comum na cidade de Carnaíba, mas precisamente na Carnaíba Velha, um pouco longe do centro.
É um trabalho pesado que exige bastante esforço físico. Jenessi produz cerca de dois mil tijolos por dia e além do serviço de oleiro, ainda cuida da criação de cabras da família das quais tira o leite e a carne para alimentação. Esse jovem traz consigo características marcantes de um homem trabalhador, não tendo medo de enfrentar as dificuldades para sobreviver. Quando chega em casa, é hora do descanso, e no caso, a televisão tem espaço garantido como entretenimento da família. Bem diferente das conversas de fim de tarde que os antepassados sertanejos tinham quando chegavam de um dia de trabalho.
Desertificação transforma paisagem da caatinga
Por Luciano Góes
O sertanejo, já tão castigado pela seca enfrenta também mais um sério problema ambiental. A profecia de que o sertão iria virar um imenso mar, está-se concretizando, não como o previsto por Antônio Conselheiro, mas um mar de terra seca como farinha que vem espalhando-se pelo Semi-árido nordestino. E deixa seu rastro de destruição, transformando terras férteis em solos esturricados, onde nem a vegetação resistente da caatinga sobrevive. É a desertificação que avança como uma verdadeira praga pelo Nordeste. Com efeitos mais devastadores do que a própria seca, tira do solo a capacidade de produzir e de gerar riquezas.
O clima seco contribui para a formação do fenômeno que tem como principal causa, a ação devastadora do homem em contato com a terra, como explica o biólogo Luciano Moroni. “Queimadas feitas para o plantio, pastagem confinada, sistemas de irrigação mal conduzidos e o desmatamento são os maiores vilões do solo da caatinga”. Atualmente uma área maior do que o estado do Ceará já foi atingida de forma grave pelo fenômeno da desertificação.
De acordo com os dados do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (Dnocs), já são 180 mil quilômetros quadrados de terras degradadas e, em muitos locais, o solo encontra-se completamente destruído para a agricultura e o reflorestamento. Somando-se à área onde a desertificação atua de forma moderada, o total de terrenos atingidos sobe para 574.362 quilômetros quadrados - cerca de um terço de todo o território nordestino.
Pernambuco é um dos estados mais castigados, embora, proporcionalmente a Paraíba seja o que possui a maior extensão de área comprometida pela seca: 71% do seu território já sofrem com os efeitos da desertificação. O Nordeste irá transformar-se num imenso deserto? Na realidade, a ameaça é ainda pior, alerta Moroni. “Nas regiões desérticas as terras são férteis, com vegetação rica e grande variedade de fauna. Nas desertificadas, a desolação é total. Nem as chuvas conseguem fazer a planta nascer no solo degradado”.
Mas, se a falta de água favorece a desertificação, o seu uso em excesso pode ser ainda pior. É o que vem acontecendo na região do Vale do São Francisco, onde o solo é irrigado, mas, em decorrência do clima seco e das altas temperaturas, a água evapora numa velocidade muito rápida, deixando os sais minerais concentrados na terra. “A salinização é o que há de mais prejudicial, o solo fica completamente estéril, e nenhum tipo vida sobrevive na terra”, explica o engenheiro agrônomo Sérgio Andrade Lima.
O Semi-árido nordestino é o maior e mais populoso do mundo, com mais de 18 milhões de habitantes. A migração forçada de pessoas para os grandes centros urbanos, muitas vezes aumenta o número de excluídos nas grandes cidades e comprova que não é mais preciso morar no campo para sofrer as conseqüências da desertificação.
Severino e Benedita da Silva