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‘Os Sertões’ é tema de novos estudos

Por Talitha Accioly

O professor José Carlos Barreto de Santana, da Universidade Federal de Feira de Santana, na Bahia, define “Os Sertões” como um livro de teses. Doutor em História Social e História das Ciências pela Universidade de São Paulo, o professor avalia seu trabalho como o estudo das relações existentes entre as Ciências Naturais e o texto euclidiano. A dissertação de mestrado, “A Contribuição das Ciências Naturais para o Consórcio da Ciência e da Arte em Euclides da Cunha”, foi baseada em referências explícitas, feitas por Euclides, a viajantes naturalistas, geólogos e botânicos, que refletem o conhecimento científico no país, entre o final do século 19 e início do século 20.

“Os Sertões” é dividido em três grandes partes: “A Terra”, “O Homem” e “A Luta”, englobando temas ligados a sociologia, antropologia, psicologia, história, geografia, jornalismo e literatura. Daí vem o grande interesse de profissionais de diversas áreas em dedicar estudos a algum aspecto do livro. Sendo tão diversificado, “Os Sertões” abre múltiplas possibilidades para interpretar o Brasil. “Trata-se, na verdade, de uma obra e de um autor que marcaram a produção cultural brasileira em distintas áreas do conhecimento”, conclui Santana.

Um dos maiores nomes dos estudos euclidianos, Lourival Holanda, é professor do Departamento de Letras da Universidade Federal de Pernambuco. Em sua tese de doutorado, realizado na USP, intitulada “Canudos - fato e fábula: uma leitura d'Os Sertões, de Euclides da Cunha”, o professor faz uma crítica ao livro. Recentemente, ele foi um dos escritores participantes do livro “O Clarim e a Oração”, uma coletânea de textos organizados por Rinaldo Fernandes, professor de Teoria da Literatura da Universidade Federal da Paraíba. O livro reúne nomes como Ariano Suassuna, Roberto Pompeu de Toledo e o próprio Lourival Holanda, com textos que misturam análise social e literária. O organizador afirma que o livro “terminou sendo uma contribuição para os estudos euclidianos”, já que traz vários textos inéditos sobre o tema.

A escritora e professora de Teoria Literária da USP, Walnice Nogueira, já publicou vários livros dedicados ao tema, alguns como organizadora. Sua tese de doutorado foi baseada no trabalho de correspondente de guerra, realizado por Euclides. Segundo ela, a imprensa teve um papel importante no sucesso do livro, já que as reportagens tiveram pouca repercussão quando foram publicadas. “A imprensa fez uma construção ideológica e a opinião pública a aceitou”. Apesar da afirmação, Walnice não questiona a qualidade do texto. “Não há negações: o texto é muito bem escrito, direto, vivaz”, conclui. A escritora credita o interesse pelo tema à importância do conteúdo do livro, que, com enorme riqueza de detalhes, traduz uma época da História brasileira.

 

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O sonho de um Nordeste independente

Por Kauê Diniz

Separar o Nordeste do resto do país. Essa idéia pode parecer para muitas pessoas uma brincadeira, utopia e até mesmo loucura. Mas, para o doutor em Economia, Jacques Ribemboim, o pensamento pode se tornar realidade, tanto que ele expôs suas convicções no livro “Nordeste Independente”, lançado em maio de 2002, pela editora Bagaço.

Ribemboim lista 33 argumentos para defender a sua tese. Entre os mais fortes está a questão da espécie de modelo “neocolonial interno”, no qual uma região-periférica, no caso o Nordeste, está constantemente suprindo de mão-de-obra e matéria-prima uma região-centro, a Sudeste, ao mesmo tempo em que dela importa, de forma compulsória, bens e serviços a custos altos. “Não há um projeto nacional que envolva o desenvolvimento igualitário de todas as regiões. A única maneira de romper com esse ciclo pernicioso de concentração social e regional de renda seria a independência”, afirma Ribemboim.
Essa idéia de separar o Nordeste do resto do país não é novidade. Pelo contrário, durante os mais de 500 anos de história do Brasil vários movimentos tentaram tornar independente, senão todo o Nordeste, pelo menos parte dele.

Talvez o mais importante movimento separatista tenha sido a Confederação do Equador em 1924, liderado por nomes como Frei Caneca e Cipriano Barata. Na época, pelos mesmos motivos atuais de situação de penúria do povo nordestino e a tirania do imperador D. Pedro I, criou-se uma Divisão Constitucional, formada por Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. A nova república durou cerca de dois meses.

Segundo Ribemboim, o maior problema para viabilizar a separação seria a divisão do patrimônio físico e cultural, órgãos públicos, sistema viário e dívidas internas. Além disso, pela Constituição Brasileira, a unidade territorial do país é indissolúvel. Apesar da idéia de independência ser inusitada, ninguém imaginava há dez anos que a antiga União Soviética se desmembraria em 15 países, argumenta o economista.

Aqui, no Nordeste, o mapa do novo país poderia ser o atual da região. Mas, talvez, para o Maranhão e a Bahia, fosse melhor outro tipo de separação, tornando-se, eles próprios, independentes. Nesse caso, haveria um redimensionamento territorial com a criação de doze províncias. Do Piauí, surgiriam Teresina, Picos e Gurguéia. O Ceará se desmembraria em Fortaleza e outra capital no sertão do Cariri. Os estados de Alagoas, Rio Grande do Norte, Paraíba e Sergipe se tornariam províncias, enquanto Pernambuco daria origem a Recife, Petrolina e Fernando de Noronha.

“O nome do novo país poderia continuar simplesmente Nordeste, ou variantes como República do Nordeste, Estados Unidos do Nordeste etc”, explica Ribemboim. Mas também há possibilidade de denominações aludindo representantes da fauna regional ou algum herói do passado, como República do Mandacaru, País do Frei Caneca, Zumbi. Pindorama, entre outros.

Natal, Mossoró, Campina Grande ou João Pessoa seriam excelentes candidatas à capital da nova nação. O motivo da escolha dessas cidades para abrigar a sede do governo nordestino é que o percurso por terra, para quase todas as outras localidades da região, seria feito em torno de treze horas.

A escolha dos símbolos nacionais seria por plebiscito. Bandeira e brasão fariam alusão à solidariedade, tolerância, paz e justiça. Para o hino, nada melhor como “Luar do Sertão”, de Catulo da Paixão, ou “Asa Branca”, de Luiz Gonzaga, para representar em forma de canção o povo nordestino.

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José Carlos Barreto

Foto: Arquivo Pessoal