Cresce
no Brasil o número dos sem religião
|
|||||
Ateus chegam a 20% da população da Terra, no entanto a postura ainda gera preconceito |
|||||
O debate sobre a existência ou não de Deus é longo, provavelmente infinito, já que não há como comprovar nenhuma das alternativas com fatos concretos, certo? Talvez alguns (ou muitos) discordem do que acabou de ser dito, porque são movidos pela fé, e a fé já é prova bastante. Se o debate filosófico é para milhares de páginas, um fato chama atenção no plano terreno, o crescimento de uma não-religião: o atéismo. A grande maioria da população mundial afirma crer em algum tipo de ser divino, mas estimativas não oficiais apontam um número crescente de ateus, que já pode chegar a 20% da população. Apesar da miscelânea cultural da sociedade moderna globalizada, certas posturas “filosóficas” ainda geram reações preconceituosas. Ser ateu, hoje em dia, não leva mais à fogueira por blasfêmia como nos tempos da inquisição, mas ainda pode trazer problemas. O filho de 10 anos de Cristina Amaral, velejadora, decidiu não assistir mais à aula de religião no colégio público em que estudava. É um direito constitucional, porém difícil de ser aceito. “Primeiro, conversei com a diretora do colégio e ela achou um absurdo, depois fui à secretaria de educação e obtive a mesma reação, então eu e meu marido tivemos que fazer uma campanha para que meu filho tivesse o seu direito reconhecido”, diz Cristina. Críticas - Os ateus geralmente demonstram uma postura crítica não só a idéia de Deus, mas também aos sistemas religiosos desenvolvidos pelos homens. Para alguns, a descrença nas instituições ajudou a guiar a reflexão para o ateísmo. Por atitudes humanas (e não divinas), a religião e a crença têm, em diversos casos, sido usadas como bandeira para desavenças entre culturas. Dois fatores estão na base desses problemas, o fanatismo e dogmatismo. “Na minha opinião, Deus tem servido de pretexto para o mal, até para o genocídio (fazendo uma menção ao holocausto), então coisa boa não é”, afirma o artista plástico José Claudio. Segundo ele, precisa haver mais coerência na convivência entre as diferentes religiões e culturas, e cita seu exemplo: “Sou casado com uma protestante, não sou intransigente”. Segundo a pesquisadora Cristina Buarque, outra ateísta, muitas religiões incentivam preconceitos principalmente contra as mulheres. Ela cita o Islamismo, onde o sexo feminino sofre uma série de restrições, como não mostrar o rosto em público e andar sempre atrás do homem, e as religiões que advêm do cristianismo, nas quais a mulher foi vista durante muito tempo como o fruto do pecado. Em “O feminismo e a mudança de paradigmas”, Cristina analisou o contexto da mulher na religião no ocidente, explorando desde a criação dos mitos, passando pela filosofia grega, até a religiosidade da Idade Média. “Durante esse período, a religião sempre colocou a figura feminina como um ser maligno. Hoje, a tecnologia e os meios de comunicação tornaram a mulher um objeto, e a religião incorporou um pouco disso”. Para a pesquisadora, essas duas situações refletem a descrença no ser humano em detrimento de um ser superior. “Sempre me pautei por uma ética ligada ao ser humano, onde ele não tem que se dar a um Deus. Eu me preocupo muito com o próximo, por ele ser humano, não porque está escrito num livro”. Ateísmo como religião - Mas ateísmo pode também ser uma forma de religião quando incorpora o mesmo tipo de atitude dogmática de outras religiões. Essa é a opinião de Marcelo Melo, 56 anos, jornalista e militante político. Marcelo escreveu o “Manifesto do Ateísmo Solidário”, onde critica, de um forma bem humorada, posturas dos religiosos e dos ateus. “A minha crítica à religiosidade é maior que a crítica à instituição religiosa; é uma crítica ao modo religioso de você aprender o real, quando se parte para a mitificação, dogmatização da realidade. Por isso eu faço uma crítica ao preconceito contra os ateus, procuro deixar claro que existem pessoas que não convivem com a religiosidade na vida psíquica. Mas faço uma crítica, também, à arrogância dos ateus que, no fundo, pode ser a reprodução do estilo de pensamento religioso. Fazendo uma analogia rápida é como esses caras que criticam o poder e, quando estão no poder, agem do mesmo modo”, explica. No manifesto, Marcelo brinca com a sua condição mostrando as modalidades de ateus como o ateu surfista, “diante de situações de dificuldade, doença ou morte, sempre dá um jeito de pegar uma onda espiritualista” ou o ateu triatlético, “faz a junção de Marx, Cristo e Freud”. Essas e outras críticas são uma forma de desnudar as opções de pensamento, a liberdade de ter crenças diferentes, desde que haja o compromisso com a condição humana e a natureza. |
![]() |
||||