Poesia de Cabral reflete divisão social nos cemitérios
 
 
O local, caracterizado pela diversidade de público, atrai pessoas
que visitam túmulos de celebridades e de supostos milagreiros
 
 
           
 

Um dos mais famosos poemas do pernambucano João Cabral de Mello Neto, Morte e Vida Severina, esboça, em forma de po- esia, uma sociologia dos cemitérios, mostrado como um espaço que reproduz as regras vigentes na sociedade, publicado em 1966, no livro Morte e Vida Severina e Outros Poemas em Voz Alta tornou-se a obra mais conhecida de Cabral, transformada em série de televisão e espetáculo teatral. Os versos do Funeral de um Lavrador, musicados por Chico Buarque, tornaram-se clássicos da Música Popular Brasileira.

A parte do poema que aborda as desigualdades sociais no mundo dos mortos é a conversa de dois coveiros, na qual os homens encarregados dos sepultamentos nos cemitérios de Santo Amaro e Casa Amarela fazem comentários sobre as diferentes formas de dar destino nos mortos.

Numa descrição do cemitério de Santo Amaro, na qual as famílias tradicionais, constróem suntuosos mausoléus, mostra que os usineiros e os políticos são enterrados com pompa. Já quem levou uma vida modesta tem um enterro comedido. São os profissionais liberais, escritores, artista e jornalistas. E aqueles que mal viveram têm um enterro e uma estadia com dias contados: dois anos e um mês, depois são retirados para dar lugar a outro corpo.

 

           
 
 
“As avenidas do centro, onde se enterram os ricos, são como o porto do mar: no máximo um transatlântico chega ali cada dia, com muita pompa, protocolo.”
 
 
   
 
“Não creio que te mandassem Para as belas avenidas Onde estão os endereços E o bairro da gente fina: Isto é, para o bairro dos usineiros, Dos políticos, dos banqueiros.”
 
 
   
 
“Só pedi que me mandassem Para as urbanizações discretas, Com os seus quarteirões apertados, Com suas cômodas de pedra. Para lá vão os jornalistas, Os escritores, os artistas, os boticários Os localizados aeroviários E os de profissão liberal Que não se liberam jamais.”
 
 
   
 
“Também um bairro dessa gente temos no de Casa Amarela com nome aberto na lousa quase sempre em letras pretas.”
 
 
   
 
“Eu também, antigamente, Fui do subúrbio dos indigentes; E uma coisa notei Que jamais entenderei: Essa gente do sertão Que desce para o litoral sem razão, Fica vivendo no meio da lama, Comendo siris que apanha; Pois bem: quando sua morte chega, Temos de enterrá-los em terra seca.
 
 
 
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