Trabalho
noturno atrapalha rotina familiar
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Mudança
de hábito forçada: horário de dormir, alimentação e férias devem ser remanejados |
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O relógio marca seis e meia da manhã. João Pessoa Gomes, 45 anos, e Creuza Maria da Silva, 30 anos, estão chegando a casa exaustos depois de uma noite pra lá de agitada. Ela passou a madrugada num motel. Ele, na sala de controle de uma empresa hidrelétrica. Realidades tão diferentes, mas com algo em comum: o trabalho. Creuza estava desempregada quando foi chamada para exercer a função de camareira, em fevereiro deste ano. Com três meses no novo emprego, precisou substituir uma colega no turno da noite por uma semana. Foi o suficiente para ela se apaixonar pela nova jornada e pedir aos patrões que a mantivessem no horário. “Sempre tive dificuldade para acordar cedo. Só fico disposta à noite”. Creuza ainda usa parte do dia para reforçar o orçamento, atuando como faxineira. Difícil foi convencer a família a aceitar o horário e o local de trabalho. “Eles ficaram meio encabulados porque eu ia trabalhar num motel e à noite. A família do operador de sistemas João Pessoa também teve dificuldades para se adaptar ao horário de trabalho dele (rodízio de turno). “Todos passaram a viver em função das minhas folgas”, disse. A esposa, Ivanise Pessoa, passou a fazer as tarefas domésticas de madrugada só para ter mais tempo ao lado do marido durante o dia. A vida social da família Pessoa depende de uma verdadeira combinação de resultados. A folga dele tem de coincidir com os feriados, fins-de-semana e as férias escolares das duas filhas: Lorena 22 anos e Gleiciane de 18 . Nem sempre isso é possível e aí o jeito é improvisar. Foi o que aconteceu no Reveillon de 95. Mãe e filhas surpreenderam João quando decidiram comemorar a passagem do ano na sala de operações da Chesf, minutos antes da meia-noite. A “vida noturna” do chefe da família foi uma grande dificuldade desde o início do casamento. “Mesmo depois de 23 anos de trabalho me sinto desprotegida com a ausência dele”, afirma Ivanise. O medo de ficar sozinha em casa rendeu episódios curiosos na vida do casal. Certa vez, as chaves da casa se perderam e as portas passaram a noite destrancadas. Ivanise improvisou um alarme empilhando panelas atrás das portas. Nessa madrugada, João chegou mais cedo (por volta das 4:30 da manhã) e ao abrir a porta causou o maior barulho. Para João, o susto foi maior porque ele não conhecia a artimanha da mulher. Com relação ao trabalho noturno, o clima é de unanimidade na casa dos Pessoa. “É bastante cansativo. Meu horário biológico é uma loucura”, reclama João. No outro lado da sala, a filha mais nova, Gleiciane, dispara: “acho que é por isso que a marca registrada dele é a irritabilidade”. O sono de João é marcado por um verdadeiro ritual. O quarto tem que estar totalmente escuro e silencioso. Um barulho diferenciado no ar-condicionado é suficiente para que ele não consiga mais dormir. Não é o caso da camareira Creuza Maria. Ela só passou a dormir bem depois que foi trabalhar à noite. “Passo a manhã acordada para dormir depois do almoço. À noite eu estou bem disposta”. Sua qualidade de vida ficou comprometida quando ela dormia pela manhã. “Eu chegava do trabalho e me jogava logo na cama sem comer”. Por causa disso, Creuza quase parou em outro leito: o do hospital. Ela perdeu dez quilos porque não tinha horário para dormir nem para se alimentar. Além de trabalhar à noite, João e Creuza têm outra coisa em comum. Eles moram no mesmo bairro onde trabalham: San Martin. “Não tenho muito medo de sair para trabalhar à noite porque estou perto de casa”, justifica o operador de sistemas. “Eu saio por volta das nove horas e a rua ainda está movimentada”, diz a camareira. No entanto, o cobrador de ônibus, José Roberto Pereira, não tem a mesma comodidade. Ele atua nos famosos Bacuraus. Para Roberto, cada noite de trabalho representa um desafio devido às três experiências de assalto que já enfrentou. A mais aterrorizante aconteceu há dois anos no bairro do Ibura (UR-4). Naquela noite, Roberto havia colocado a carteira no bolso da frente. Os bandidos não se contentaram com o cofre do veículo e exigiram a carteira do cobrador. Os ladrões acharam que ele iria sacar uma arma e ameaçaram atirar. “Vi a morte do outro lado da catraca”, afirma. Passado o susto, os ladrões fugiram e ficou o trauma. É a noite como fonte de sobrevivência. |
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