I - Preliminares

Apesar de fatos e apontamentos de importância histórica, o Nordeste e, principalmente o sertão brasileiro, até meados do século XX, eram tidos como exóticos, uma terra e um povo nem no tempo nem no espaço, um incômodo nacional.

04 de outubro de 1897. Restaram apenas 20 guerreiros, famintos e sedentos, numa trincheira: estava pronta a cova cavada por eles mesmos. Não por orgulho, mas lutando pelos seus direitos, os sertanejos, apesar das bombas, metralhadores e da "matadeira", não se renderam. Preferiam morrer lutando, armados precariamente com paus e pedras, sem nenhum tipo de tática de guerra, às lâminas dos estripadores e degoladores - os "corta-cabeças".

05 de outubro de 1897. Arraial de Canudos, Bahia: tombaram os últimos defensores: "Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados"

06 de outubro de 1897. O país, principalmente a Rua do Ouvidor (o "agito" intelectual e cultural brasileiro), a Igreja e o Exército comemoraram a "vitória" da República contra os Antônios, Severinos, Josés, Pedros, Marias, Josefas, Franciscas... sertanejos.

02 de dezembro de 1902. Rio de Janeiro. Uma "vingança" já anunciada há cinco anos enquanto correspondente do Estado de São Paulo e, apesar da censura imposta pelo Exército aos artigos dos então conhecidos homens-palavra, chega temerosamente ao mercado editorial, o "livro vingador": Os Sertões, do fluminense Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha.

O épico-dramático euclidiano denuncia as atrocidades da Guerra de Canudos, ou melhor dizendo: um massacre, extermínio, crime, barbárie. "Não era uma guerra; era uma vingança selvagem". Uma iniqüidade fraticida contra "o cerne da nacionalidade" - a comunidade sertaneja.

Atrelado a esses fatos, o Departamento de Comunicação Social da Universidade Católica de Pernambuco - Unicap, através da Agência Experimental em Relações Públicas - Agerp, une-se às várias instituições brasileiras para homenagear o mérito de Euclides da Cunha.

O trabalho interdisciplinar A Incrível e Fantástica História da Mãe dos Filhos da Sobrevivência ou A Peleja do Sertanejo com a Vida e a Morte ou Olhares Sobre Os Sertões Pernambucanos tem como pressuposto o clássico euclidiano para contar causos de alguns insulamentos e riquezas de dois terços do território estadual: os sertões pernambucanos.

Para melhores e maiores olhares sobre este projeto, o mote foi contado a partir da realidade dos cursos: jornalismo, relações públicas e turismo do DCS-Unicap.

A estrutura do "Olhares..." tem o fio condutor (raciocínio) de Euclides: dividida em três partes, a Terra, o Homem e a Luta foram interpretadas como: a Mãe, os Filhos
e a Sobrevivência.

II - Uma Re(li)gião Chamada Sertão

Falar do sertão e do sertanejo é ir além das transposições sócio-político-econômicas e cultural nordestinas e brasileira. O sertão e o sertanejo são teimosos, esperançosos e trabalhadores.

A Mãe (Terra) é teimosa, mas tem (a) esperança n(d)os seus filhos... Ser ou estrutura essencialmente feminina, é capaz de gerar, criar, germinar e sustentar, respectivamente, um mistério que, apenas de maneira teórica e muitas suposições, é explicado por teólogos ou cientistas: a Vida.

Assim como alguns fenômenos sobressaem em algumas mulheres, necessitando de "cuidados", a terra, produtora da subsistência humana, até hoje, mesmo que exista indício de infertilidade, se bem arada e com utilização de algumas alquimias naturais ou de manipulação, não apenas esverdeará, mas germinará e frutificará.

"Quando ôiei a terra ardendo
Com a foguêra de São João
Eu perguntei, ai pra Deus do céu, ai
Pruquê tamanha judiação

Qui brazeiro, que fornáia
Nem um pé de prantação
Pru farta d`água perdi meu gado
Morreu de sede, meu alazão

Inté mesmo a Asa Branca
Bateu asas do sertão"
...

Tudo no sertão arde: seja o sol, os espinhos das cactáceas, os pêlos das urticáceas, os bichos, o solo arenoso (e seus) lajedos, seja o amor e respeito do sertanejo por sua terra. Terra conhecida por mato branco - a caatinga, pois, durante a seca ou grandes estiagens os seus arbustos, ficam com seus galhos acinzentados. Exceção aos cactos e bromélias.

Na sua fauna, destacam-se: aves de grande porte, como a siriema (com seu canto de contralto estridente), ou menores como as juritis, a asa branca (símbolo da eterna esperança); répteis; roedores,; aracnídeos, morcegos e felinos de grande porte a exemplo da raposa, suçuarana e jaguar. Das águas, apesar das inúmeras espinhas, a traíra e o lendário surubim.

Pernambuco "terra dos altos coqueiros", do neurastênico litoral e dos imponentes mandacarus da resistente caatinga, possui 184 municípios. 56 estão situados em dois terços ou 70% da sua maior região natural. O seu território formado por um rio seco (temporário), mas não estéril, onde, aos primeiros pingos de chuva, tudo cheira a terra molhada, tudo cheira a verde, tudo cheira a vida verde - é o sertão ou caatinga. São mais de 65.200 km2.

Com 18,20% do território nacional, o Nordeste é a terceira região brasileira em tamanho. É quase um milhão de quilômetros quadrados: área maior que qualquer estado brasileiro, com exceção do Amazonas e do Pará. Três quartos dessa área são formados por uma sociedade de mitos, mistérios e predestinação: o sertão. Ao penoso pedaço de chão nordestino, são somados mais 98.000 km2 do norte de Minas Gerais. Recentemente, dados alarmantes indicam aridez nas terras capixabas.

Dos seus nove estados, grande parte do oeste de oito deles têm climas secos (com variantes de árido, semi-árido, seco e subseco), terra pedregosa e a maioria da sua vegetação (pelo menos aquela que sobrevive à falta d`água e ao escaldante sol), não tem folhas e sim espinhos, adaptação sofrida para sobreviver numa das regiões mais quentes do planeta.

Os Filhos (Homens, Mulheres) são esperançosos e teimosos à sua Mãe... Todo produto seja material ou subjetivo (idéia). Tem como objetivo do seu criador a aprovação; todo filho pode ser saudável ou não. Para ambas as situações, o meio, seja mercadológico, social ou genético, influencia na qualidade final.

Seja de forma evolutiva, metamorfoseadas ou manipuladas, essas heranças são acompanhadas e registradas através dos fatos, através dos tempos, pelo homem.

"...
Entonce eu disse, adeus Rosinha
Guarda contigo meu coração

Hoje longe muitas léguas
Numa triste solidão
Espero a chuva cair de novo
Pra mim vortá pro meu sertão
Quando o verde dos teus óio
Se espaiá na prantação
Eu te asseguro, num chore não, viu?
Que eu vortarei, viu, meu coração!
"

No sertão e, principalmente, na caatinga, quando não chove ou nos períodos de grandes estiagens, os que ficam padecem de uma penação danada, mas resistem. Vaqueiros e parteiras são os predestinados. Eles não se rendem a não ser por "obra do Divino Espírito Santo". Os que se arvoram em partir partem, com tudo partido. O dinheiro "verde" da cana-de-acúcar do litoral ou a utopia de Sum Paulo não são argumentos nem páreos às primeiras notícias das chuvas: o retorno é certeza.

A teimosia e a esperança dão origem à Sobrevivência (Luta), ao trabalho... Sendo o sertanejo um forte, apesar das adversidades internas (terra arenosa, clima seco, politiqueiros) ou externas (regiões climaticamente mais privilegiadas e a República Federativa), os cernes do seu trabalho, da sua religiosidade e da sua cultura são laboriosamente preservados ou adequados assim como outra(s) sociedade(s).

"Já faz três noites qui pro norte relampeia
A Asa Branca ouvindo o ronco do trovão
Já bateu asas e vortou pro meu sertão
Ai, ai, eu vou m'imbora
Vou cuidá da prantação
...

Rios correndo as cachuêra zuando
Terra moiada, mato verde, qui riqueza
E Asa Branca à tarde canta qui beleza
Ai, ai, o povo alegre
Mais alegre que a natureza
"

Mesmo castigado pelo sol, pelas pedras na terra avermelhada, pelos espinhos das plantas, pela água salobra, o sertanejo não desiste de trabalhar. Trabalha com a enxada para tirar a sua comida, trabalha com a sua memória e o seu tino para cultivar as suas músicas, danças, poesias, tradições, a sua cultura.

Trabalha, também, contra os maiores inimigos depois da fome: a inescrupulosa atuação dos vigaristas dos "podres poderes" privados e, principalmente, dos públicos (o cartel da seca) e o neobanditismo químico-físico (principalmente o do tráfico da maconha).

"Mais dotô uma esmola
A um home que é são
Ou lhe mata de vergonha
Ou vicia o cidadão

"É por isso que pedimos
...
Dê serviço a nosso povo
...
Dê cumida a preço bom
Não esqueça a açudage
Livre assim nóis da esmola
Que no fim dessa estiage
Lhe pagamo até os júru
Sem gastar nossa corage.
"

"Sertão das muié séria
Dos home trabaiadô
"

O sertão é um mistério, e o sertanejo, um milagre da fé, esperança e do seu trabalho.

III - Vitórias

Não foi pura ficção. Foi pura realidade e necessidade de interagir as inúmeras adversidades, ambigüidades, antagonismos, contradições, contraprovas, dicotomias,
disparidades, emboscadas, paradoxo... paixão..., sobre a terra inóspita e cheia de fascínios e mistérios que continua a despertar curiosidade e inúmeros estudos
realizados por pesquisadores, curiosos sobre um singular pedaço de chão no planeta Terra - os sertões nordestinos e, especificamente, o pernambucano.

Jornalismo, Relações Públicas e Turismo tiveram participações ativas no processo de apresentação e realização com propostas para o Olhares... Isso foi confirmado com os 23 trabalhos exclusivos, apresentados ao público, entre artigos, painéis, jornal laboratório, fotografias, audiovisuais, CineClube Especial, campanhas institucionais, vídeos, cordel, pesquisa de opinião e levantamento bibliográfico para ser complementado o acervo da Biblioteca Central..., desenvolvidos pelos alunos, egressos e professores do DCS.

Apesar dos trabalhos produzidos, poderiam ter sido realizadas mais ações... A inquietude é o diferencial de todo pesquisador, de todo planejador...

O projeto foi dividido em duas partes: a primeira, no pewríodo de 25 a 13 de dezembro de 2002 e, a segunda, com o título RetroPercepções: os olhares de outros olhares, no período de 18 a 29 de agosto de 2003.

Foi, é um pretexto e, principalmente, reflexão sobre os problemas e conseqüentemente, os incômodos difíceis ou propositadamente tangenciados pela sucateada máquina estatal, ou dirimida por cartéis latifundiários, ou ainda, alguns restritos guetos sociais e culturalmente desinformados.

Para a realização do projeto e de seus subtrabalhos, além das dezenas de títulos pesquisados entre livros didáticos, biografias, romances, poemas, dissertações, missal, entrevistas, clipagens impressas e eletrônicas, vídeos e sites, foram realizadas várias pesquisas de campo em algumas localidades do sertão pernambucano, no período de julho de 2002 a março de 2003.

Afora as dezenas de quilômetros percorridos na fascinante e neurastênica capital pernambucana à caça de informações, muitas vezes frustradas, foram realizadas 25 viagens com mais de 7.000 km rodados em 14 cidades e seus arredores, sendo: cinco viagens para Afogados da Ingazeira, cinco passagens, uma parada em Albuquerque Né, uma para Arcoverde, duas para Buíque, uma para Carnaíba, quatro para Cruzeiro do Nordeste, duas para Custódia (Caiçara e Samambaia), uma para Exu; Flores (passagem de Triunfo para Arcoverde), cinco passagem por Iguaracy (duas visitas à fazenda Canafístola), uma viagem para Salgueiro, cinco passagens por Sertânia, três para Serra Talhada, uma para Serrita, duas para Solidão e quatro para Triunfo.

Nessas viagens, foram realizados registros visuais sobre A Mãe, Os Filhos e A Sobrevivência com mais de 6.000 fotografias, com imagens em preto e branco, coloridas e em cromo, profissionais, semiprofissionais e amadoras, porém a qualidade e a gana de aprendizado e a participação na expedição foram, senão única, no mínimo, fascinante, não apenas pelo cenário, mas pela hospitalidade ímpar do sertanejo. Foi um passaporte globalizante de pesquisa e extensão universitárias.

Nesse produto editorial, versão on line, o leitor terá a sua disposição os trabalhos das partes I e II do Olhares..., sendo alguns sistematizados na íntegra, outros, apresentados suas sínteses. Todos possuem opções para o inglês e o espanhol.


Alfredo Sotero Alves Rodrigues
Organizador

 

Às Avós do Sertanejo
Antônia Alves Barbosa
Francisca Simões da Silva (in memoriam)

À Irmã do Sertanejo
Alane Giselle Alves Rodrigues

Aos Pais do Sertanejo
Creuza Alves Rodrigues
Ademir Rodrigues da Silva

E... por elas
As Filhas do Sertanejo
Amanda Gonçalves Rodrigues
Júlia Gonçalves Rodrigues

 

 

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