OS MEUS SERTÕES

Alexandre Moraes

 

A fé é o meu combustível
Parceria sempre anima
Peço luz a meu Deus pai
Poderoso lá de cima
Certifique minha métrica
Ilumine minha rima

Dê-me Pai inspiração
Pra em versos relatar
As coisas do meu sertão
Seus costumes, seu luar
Fazer como fez Catulo
Exaltando seu lugar

"Sou do Pajeú das Flores"
Fruto de Rogaciano
Conterrâneo de Otacílio
Entre os vates, o decano
Violeiros sertanejos
Eis aqui um praciano

Um discípulo de Leandro
Do Pavão Misterioso
Xilogravuras de Dila
Juvenal vitorioso
Jornalistas, novelistas
E contristas de trancoso

Registros d'um povo forte
Da visão Euclidiana
Do Homem pobre, mas nobre
Da Terra, mãe soberana
O futuro uma conquista
Da Luta cotidiana

Mulheres viúvas secas
Damas da casa e da roça
Caboclas reprodutoras
De toda a origem nossa
De brancos de sangue fino
De índios de pele grossa

Nativos e ocupantes
Do outrora desertão
Caatinga, serras, vales
Contrastes, fascinação
Novos povos, nova forma
Configurou-se o sertão

Na divisa com o Agreste
Estratégico lugar
Uma antes errante tribo
Equilíbrio foi buscar
Águas Belas, Fulni-ôs
Encontro de Sol e Mar

Outros indígenas são
Pankararus e Trukás
Atikuns, Kapinawás
Carnaubeira, Buíque
Ibimirim, Kambiwás

Coronéis da mesma época
Fazendeiros sem comprar
Donos de terras, de gente
Das águas, das leis, do lar
Imposturas que até hoje
Uns querem perpetuar

Andarilhos que se viam
Eram mascates, tropeiros
Viajantes a deriva
Menestréis e garimpeiros
Missionários, fanáticos
Jagunços e cangaceiros

Cenários de muitos mitos
Desbravados, vencedores
Foi Conselheiro o que mais
Regimentou seguidores
Canudos maior exemplo
De união sem desertores

Bandidos ou revoltosos
Inda se faz julgamento
Silvino, Rifle de Ouro
Lampião, o Rei tormento
Expoentes do cangaço
Mãos do descontentamento

Na terra como no céu
A rainha foi Maria
Bonita por sua graça
Graciosa rebeldia
Mulheres que encontraram
No cangaço a alforria

Conservadorismo macho
Vigorou e hoje ecoa
Ali quem faz diferente
Na paisagem se destoa
Assim alguns se fizeram
Nomes além da pessoa

Padre Cícero Romão
Da Igreja timoneiro
Conhecido nos sertões
Como sendo milagreiro
Viu resistência por ser
Beato politiqueiro

Dizem uns que depois dele
Só mesmo Frei Damião
Por certo o italiano
Que mais pisou no sertão
Fez quermesse, fez novena
É santo de proteção

Padre Antonio Vieira
Outro sertanejador
Foi quem disse que "o jumento
É nosso irmão ", sim senhor
Carregou quando menino
Nosso Jesus salvador

Gonzaga Rei do Baião
Disse que além de transporte
O jumento é um gigante
Inversamente ao seu porte
E ainda é o relógio
Dos camponeses do Norte

Aliás foi Seu Luiz
Quem melhor tudo cantou
Sanfoneiro de Exu
Que o sertão todo adotou
Pernambucano do século
A arte representou

Araripe, São Francisco
Pajeú e Moxotó
Territórios de Seu Lua
Sertões de um reino só
Foram versos em baião
Xote, xaxado e forró

Foi uno na região
Onde tudo é poesia
Imortalizou Jacó
Serrita reverencia
Com missa para o vaqueiro
Aboio e nostalgia

São os heróis do Sertão
Esses homens encourados
Que enfrentam xiquexiques
Rasga-beiços, alastrados
Juremas e catingueiras
E outros acinzentados

Correm dias de sol a pino
Ressequido é seu chão
Homens e animais refletem
Que vêem na região
E têm brilho nos olhos
Conforme a vegetação

Mas o cinza que domina
É vida que adormece
Sintoniza mata e homem
Quem ouve Braz não esquece
"O sertanejo desfolha,
Só que depois enverdece"

Cactos pontuam de cor
Toda aquela sertania
Esperam por gotas d'água
E quando é chegado o dia
Parecem contaminar
O que há de galharia

Juazeiros sempre espalham
O verde Graciliano
Macambiras enveredam
Sertão Guimaraniano
Umbuzeiro que persiste
Um lídimo Ariano

Em regiões arenosas
É fácil vê-se caju
Resistentes enterradas
Têm batatas de umbu
E de braços para o céu
Tem sempre um mandacaru

Que imagem penitente
São braços imploradores
Como que somente chuvas
Diminuíssem as dores
Sem saberem que os males
São produtos dos gestores

Dos gestores governantes
De olhares capitais
Revestidos de interesses
Amigáveis, pessoais
Insensíveis, desprovidos
De olhares sociais

São olhos que multiplicam
Tantas vidas Severinas
São mentes que perpetuam
Tantas almas Cabralinas
Mortos, vivos, miseráveis
Pobres vidas Rachelinas

Mas o despertar é breve
Gritem povo sertanejo
Gritem por reforma agrária
Realidade é desejo
Peçam qualificação
Pro cultivo e pro manejo

Peçam crédito, subsídio
Por uma reforma decente
Com linhas de produção
Sem comércio dependente
Tomem o sol por parceiro
Germinem toda semente

Quem sabe vai ser agora
"Que o sertão vai virar mar"
Fabianos vão sorrir
Baleias vão engordar
As vidas vão ser molhadas
Vitórias vão encantar

Efeitos do Velho Chico
Abrangerão toda parte
Cinqüenta e seis municípios
Portando um só estandarte
Produção é alegria
E alegria gera arte

Em vez de Vozes da seca
Em vez de Triste partida
Zés Dantas e Patativas
Comporão rindo da vida
Sabiás cantarão mais
E acauãs uma vez perdida

Ao invés de retirantes
Voltarão os retirados
Em vez de paus-de-arara
Teremos carros lotados
Da mais alta produção
Sem vergonha ou viciados

Aí na nossa imprensa
A pauta terá brandura
Ao invés dos come-palmas
Em vez de uma vida dura
Vão registrar nossos campos
Nossas mesas com fartura

Vão ver que o sol escaldante
Não deforma a consciência
Dos vitimados da sorte
Que cumprem uma penitência
Nem se curvam à covardia
Nem desprezam a resistência

São esses os meus sertões
Ermas terras, rico chão
Rios secos, verdes vidas
Terrenos pra todo grão
Onde o matuto ditoso
Ergue o brado orgulhoso
Sou, sim senhor, sou sertão.

Alexandre Morais, natural de Afogados da Ingazeira, alto sertão pernambucano, é ex-aluno de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco - Unicap.

Como todo sertanejo arretado, aceitou o convite para participar do projeto interdisciplinar Olhares Sobre Os Sertões Pernambucanos, uma homenagem aos 100 anos de lançamento (2 de dezembro de 2002) d'Os Sertões, de Euclides da Cunha, promovido pelo Departamento de Comunicação Social da Unicap.