Feminismo: entre golpes e revoluções

Por Helena Dias

Era 1972, pleno AI-5, o ideal feminista começou incorporar outra face e ampliar suas reivindicações sociais inspiradas na Europa e nos Estados Unidos, onde as expressões do movimento vivenciavam grande agitação. O feminismo fez a passagem de uma concepção “bem comportada” para algo mais rebelde e transgressor marcado pelo enfrentamento de tabus e o ingresso das mulheres na esfera pública – como descreve a professora e cientista política Céli Regina Jardim Pinto em “Uma história do feminismo no Brasil”. Referência do período, o Ano Internacional da Mulher promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU) no Rio de Janeiro, que abordou “O papel e o comportamento da mulher na realidade brasileira” e teve influência de grupos feministas para sua realização, atuou como um divisor de águas dessa renovação.

Na mesma corrente, o Movimento Feminino pela Anistia e vários grupos sequazes somavam-se às forças de resistência ao regime. A perspectiva europeia e estadunidense chegava ao País através de mulheres exiladas nestas regiões, que traziam consigo a insatisfação em relação ao papel social da mulher reduzido a casamento, criação de filhos e submissão. Rio e São Paulo protagonizaram os primeiros encontros, muitos deles clandestinos, que driblavam a ditadura.

Com a reforma partidária do governo Figueiredo que fracassou na tentativa de estremecer a oposição ao regime e, logo após, a redemocratização do país, a conjuntura entre o movimento feminista e o governo sofreu alterações. A violência contra a mulher passou a ser problematizada e considerada questão social em 1985 e, com isso, delegacias da mulher foram implantadas e também o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM).

A criação de organizações não governamentais (ONGs) veio logo em seguida, no início da década de noventa. Céli Pinto destaca a recorrente adequação dessas ONGs às federações internacionais e suas agendas – limitadas pela disponibilidade de recurso financeiro. Segundo ela, isso resultaria na institucionalização e profissionalização do feminismo, remetendo-o ao já citado conceito do feminismo “bem comportado”, característico do movimento sufragista.

Nos últimos vinte anos, a atuação de ONGs tem se feito indispensável no combate à violência contra a mulher e na reivindicação de sua emancipação. Já o que compete aos poderes executivo e legislativo, como a edição de leis e investimento em políticas públicas, ainda continua longe do ideal. Contudo, a urgência de atenção à pauta feminista tem ficado cada vez mais evidente, sejam pelos numerosos feminicídios ocorridos no Brasil – quinta maior taxa do mundo, de acordo com a ONU – ou pela força dos movimentos sociais que têm ganhado às ruas com maior frequência.

Primavera feminista

Instigadas pela necessidade de uma real mudança social, iniciativas feministas surgem hoje de forma contumaz em todo Brasil, desde meados de 2015. Não diferente da história já contada, mulheres têm transformado opressão, violência e assédio em luta por igualdade. Contudo, neste ano se depararam com o agravamento de uma crise mais política que econômica incidindo em um Congresso Nacional considerado o mais conservador desde a redemocratização.

Os levantes têm nascido através de diversas vertentes como é o caso do Coletivo Vaca Profana, que visa combater o padrão estético imposto às mulheres. A produtora de cinema, Dandara Pagu, 27, integrante do grupo inaugurado em março deste ano, comparou a renovação feminista em 1972 à primavera de 2015. “Não sei se igual, acho que as revoluções sempre vem com um quê a mais, inclusive pela evolução do ser humano. Mas acredito sim que há uma primavera feminista onde estamos marcando a história e sendo marcadas com um bom feminismo”.

Já a jornalista e mediadora do grupo de leitura Leia Mulheres de Recife, Carol Almeida,37, acredita não ser uma situação específica. “Creio que o que se chama hoje de “primavera feminista” não é exatamente um ponto de culminância, porque o que acontece é uma crescente da força do movimento feminista que não vai mais se retrair, a “primavera feminista” é um nome que tenta dar conta dessa coisa gigante que vem se tornando “a” pauta maior de debate, transversal a todos os movimentos sociais. Ou seja, será só primavera a partir de agora enfrentando os invernos do patriarcado”.

Leia mais: Feministas antes de ser

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