A ARTE DE SOBREVIVER

Por Kamyla Brito

Histórias de superação são comuns no dia a dia da sociedade. Algumas com finais felizes, outras nem tão felizes assim, mas a capacidade do brasileiro de se reinventar ou o chamado “jeitinho brasileiro” é o segredo para superar os desafios oferecidos pelo destino e um dos principais recursos é a criatividade, usada como alternativa para saber viver ou sobreviver.

O artista plástico Mateus Lima da Silva, 32, viveu por trinta nos em Santos, interior de São Paulo, morava com a esposa Edilene Lima da Silva e a filha Eduarda Lima da Silva. Hoje, Mateus vive sozinho e o novo endereço é a calçada da Avenida Abdias de Carvalho, S/N – Recife/PE, numa casa adaptada com PVC e telhas Brasilit, materiais reaproveitados da antiga sede da FUNASE que atualmente está em reforma. “Em São Paulo, eu fiz um curso de artes e graças a minha sabedoria eu consegui construir essa casa pra me proteger, aqui estou seguro. Meu primeiro dia no Recife foi assustador, eu fui abandonado pelo motorista do caminhão que eu ajudava a trazer materiais de São Paulo, passamos pela praia eu pedi pra dar um mergulho e quando voltei pra o carro, ele tinha ido embora, e eu fiquei aqui, até hoje”.

Em seu primeiro dia na Capital Pernambucana, Mateus foi roubado e na carteira estava o contato da esposa e família, com medo de dizer às pessoas que estava perdido, ficou vagando pelas ruas até encontrar um bom lugar para construir uma casa. Forçado a se adaptar ao novo contexto, o artista usou a pulsão criativa era o que ele tinha ao seu alcance, e fez jus ao perfil brasileiro de nunca desistir e não cultivar a ociosidade.  “Eu ainda pensei em pedir ajuda, mas como eu não tenho ninguém fiquei com medo de mexerem comigo”, a casa é equipada com objetos de segurança e muitos outros de decoração, confessa que gosta de reinventar e improvisa objetos preexistentes, “aqui tem três extintores de incêndio e tem alarme na porta, se um dia alguém vier mexer comigo pelo menos eu escuto. Ainda tenho minha santinha, atrás das plantas, ela e Deus me protegem, só eles mesmo na minha vida pra fazer um dia eu voltar a ver minha família”, conta.

São por essas características especiais do brasileiro em cultivar a improvisação e a manifestação da permanente criatividade que a família Silva, formada por Antônio Vital da Silva, 56 e Mauricea Conceição da Silva, 46 e seus sete filhos enfrentam a falta d’ água, de necessidades básicas e se submetem a condições escravas de trabalho nos canaviais. É a luta insana pelo pão de cada dia. Casados há vinte e oito anos, eles plantam feijão, milho, mandioca, jerimum, entre outros alimentos para garantir a sobrevivência. Antônio é cortador de cana e sua única fonte de renda é o trabalho nas usinas que exerce há trinta anos, “Trabalho só nos períodos de safra da cana, seis meses, pego às 4h da manhã na segunda, fico no alojamento da Usina até o sábado à tarde quando o ônibus traz os trabalhadores todos de volta pra Macaparana”. O Sítio Uruçú, localizado na Zona da Mata Norte de Pernambuco não tem sistema de recebimento de água, eles andam até a barragem mais próxima, cerca de 800 metros e carregam os baldes com ajuda de animais dos vizinhos. Outra coisa compartilhada entre eles e os vizinhos é a rede de internet, o sinal do Wifi do bar ao lado do sítio chega até uma área do terreno e a senha foi cedida pela vizinha, Mauricea conta que os filhos passam horas acessando a internet e que eles usam o espaço improvisado como um escritório de estudos na parte lateral do terreno com palhas secas, sombrinhas quebradas no teto para proteger da chuva, uma cadeira de ferro e a prateleira pra colocar o computador, “eles ficam aqui durante horas, acessando o face, depois vão à escola e quando voltam, ficam aqui de novo, estudando… Tem dia que fica até a hora de dormir. Tem que ser, né, minha gente?! Estudar, porque sem o estudo a gente não é nada”. Conclui.

A falta de água no sítio está prestes de ser resolvido. A Prefeitura da cidade está construindo uma cisterna que será abastecida por sistema de captação de água da chuva e uma bomba d’água levará até a residência. Antônio está otimista e sabe que muitas coisas vão melhorar com a chegada da água no sítio, “eu fico feliz, né? Eu tenho saúde e graças a Deus posso plantar e ter o pão de cada dia sobre a mesa e, vou fazer isso até mais pra frente, quando Deus quiser”, completa.

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