O mote dos mensageiros

1 - Arautos armoriais

Lá pelos idos do quadrante do ano setenta, do século vinte, mais precisamente em dezoito de outubro, respaldado e desenvolvido em ambiente universitário, um cambrião visionário nordestino (imagine!), o mais que pernambucano nascido em Taperoá, Paraíba - é n(o) fim do mundo?! Valei-me, meu Deus, para sempre seja louvado! - um cabra de esquerda assumido e, em pleno topete da sanguinolenta “ditacuja”1, ajuntado com outros “comparsas”, sacode no Brasil-Mundo uma revolução: realizar uma arte sabida brasileira a partir da utilização da rica cultura popular nordestina (ôxe, é muita pretensão!). Foi um alvoroço só, Virge Maria!
A santa não foi a padroeira, mas foi louvada e aclamada em várias facetas dos pecadores... Se não lhes “perdoou”, protege-os de alguma maneira...

(...)
Na noite em q’ João nasceu
houve um eclipse na lua
detonou grande vulcão
q’ ainda hoje continua
naquela noite correu
um lubis-homem na rua
(...)

Mais pra lá um bocadinho das seis baladas do Angelus, anunciou-se, na igreja de São Pedro (o santo da chuva e da chave que abre quase tudo) dos Cléricos, um monte de músicos ajuntados no concerto com a Orquestra Armorial de Câmara e uma exposição de artes plásticas, espetáculos alquímicos de raras e estranhas belezas, montados com o ideário de consertar a pinicada curtura nacioná. Aquele Brasil-Mundo tem conhecimento de O Movimento Armorial. Foi incompreendido, foi uma transgressão, foi uma belezura. Teve fases, teve baixas; teve elevações. É sempre lembrado, é sempre esquecido; é despeitado, é utilizado, é referendado...

(...)
Estava travada a luta
mais de uma hora fazia
a poeira cobria tudo
negro embolava e gemia
porém Lampião ferido
ainda não tinha caído
devido a grande energia
(...)

Fazer movimento é coisa de gente lelé da cuca, de tresmalhado ou destrambelhado? Independente da bandeira, estandarte, da causa, outros doidos, também, a duas penas conseguiram disseminar doidices mundiais: Cervantes, Vicente ,Vieira, Zumbi, Conselheiro, Prestes, Oswald, Science...

(...)
O rei disse: - Este danado
O Diabo é amigo dele
Na charada e na pergunta
No mundo ninguém dá nele
E pelo que vejo nem
Satanás pode com ele.
(...)

Ah, o mardito, tinhoso, disgramado e responsável por todo aquele furdunço é o polêmico e rejeitado por uns, aclamado e respeitado por outros tantos. É um tal de... é... o MESTRE Ariano Suassuna, o culpado em influenciar brasileiros a criarem vários sucessos, obras-primas nas artes nacionais! E o retrato escrito dos seus “comparsas”: Francisco Brennand, Gilvan Samico, Maximiano Campos, Ângelo Monteiro, Marcus Accioly, Miguel dos Santos, Raimundo Carrero, Antônio José Madureira, Capiba, Guerra Peixe, “transgressores” da primeira leva. Eles são “da coroa imperial, é de Pernambuco, é da casa real”.

(...)
Não tome por brincadeira
estou dizendo de vera
quem segue o caminho certo
Jesus Cristo considera
Por mais que seja os pecados
Quem compra está descansado
Da vinda da besta fera
(...)

A procissão aumentou com o rosário dos penitentes, seja os genuinamente armoriais seja os influenciados pelo Movimento. Juntaram-se ao “bando” em momentos distintos: Antônio Nóbrega, Maria da Conceição Brennand Guerra, Fernando Lopes da Paz, Ângelo Monteiro, Janice Japiassu, Jarbas Maciel, Arnaldo Barbosa e Zélia Dantas Suassuna, Romero de Andrade Lima, Sa Grama, Chico Science, Lirinha ...... e “pras cucuias” a modéstia, a comunidade unicapiana. Todos os citados e os esquecidos por uma doidice de momento, “queiram ou não queiram os juízes, [este] bloco é de fato campeão [... e veio] defender a nossa tradição (...) Nós somos madeira de lei que cupim não rói”.

(...)
O rei daquele paiz
quis o reino embandeirado
pra receber a visita
do ilustre convidado
o castelo estava em flores
cheio de tantos fulgores
ricamente engalanado
(...)

Inventar movimento pra vida sobre(vivida) é ser mensageiro de “guerra”, guerra essa para construção de uma identidade de um povo, de uma nação, de uma cultura, em busca de paz! Alguns e até “você diz que ela é bela, ela é bela sim senhor, porém poderia ser mais bela” se muitos brasileiros-nordestinos-brasieiros entendessem ou quisessem entender que essa guerra tem, e muito, o seu valor, o seu valor!

(...)
Então disse o engenheiro
já provei minha invenção
fizemos esperiência
tome conta do Pavão
agora o senhor me pague
sem promover discursão
(...)

Se não conseguiram à guisa da aspiração (inicial), continua (ainda hoje) bulindo com os imaginários popular e intelectual brasileiros, tendo reminiscências nas artes nacionais de reconhecimento internacional (Balé Stagium, Cordel do Fogo Encantado, Central do Brasil...)

(...)
Prá onde o destino der
prà esse lado eu sigo
e no lugar que eu passar
quem se encontrar comigo
tem que provar do calor
do fogo do meu umbigo
(...)

 

2 - Arautos harmoniais

Mais ou menos na metade do mês de outubro de dois mil e cinco, mas já podendo precisar ao certo, no período de dezessete a vinte e oito de outubro, a Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), por meio da Agência Experimental em Relações Públicas (Agerp), apresentou o projeto multidisciplinar: O Romance de um Romanceiro Arengueiro ou A Eterna Peleja de um Cabra Sabido em Busca de uma Identidade Nacional ou Harmonia Armorial, 35 Anos em Movimento.

(Em 18 de outubro de 2004 foi realizado o evento Armorial – movimento preliminar dos 35 anos, onde foi feito o lançamento do vídeo A Música Armorial: do experimental à fase arraial, de Ana Paula Campos, egressa de Relações Públicas. O evento contou com a participação de Ariano Suassuna.

O feito foi uma homenagem ao Jubileu de Coral do Movimento. A Unicap utilizou-se do seu ensino, pesquisa e extensão e, mais uma vez, escancarou suas portas para os saberes acadêmicos com interferências qualitativas de ajudas (mútuas) socioculturais ...

“A Unicap não está somente situada no Nordeste: está voltada para ele: - (...) - para sua riqueza, cultura e valores éticos de sua população.

[Sua] concepção de ensino, pesquisa e extensão parte da realidade, variada e complexa; busca uma fundamentação teórica e instrumentos de análise para entendê-la; processos e técnicas para intervir na realidade a fim de transformá-la. [...Além de] formar o espírito científico dos alunos, - não só fornecer-lhes informações, mas incitá-los a pensar por si mesmos, criticar as opiniões recebidas e a buscar o conhecimento.

(...) Ao mesmo tempo, a Universidade incentiva a criatividade de seus alunos, a abertura do espírito em relação a outros saberes pela interdisciplinaridade, e a abertura aos problemas da região e da cidadania, através de uma prática ética e consciência social”14. Plantar ações, utilizando valores que retratam a cultura do povo, de um povo, é produzir e colher re(conhecimento) social, é ter responsabilidade social.

A partir dos seus ensinamentos e preceitos, foi realizada uma leitura, retrospectiva... dos principais motes do Movimento - releitura e desenvolvimento de ações à luz do conhecimento e da realidade intelectual produzida na universidade.

O mote foi contado a partir da realidade dos cursos de dois Centros, das unidades comunitário-artístico-culturais, egressos da Unicap e personalidades convidadas.

As ações multidisciplinares realizadas no Harmonia foram idéias, sugestões adequadas e desenvolvidas por alunos ou grupos, egressos, professores e convidados; o produto final, portanto, é de autoria coletiva.

Tudo o que é refinado, lapidado, clássico, erudito, originou-se do cru, do rude... do povo e de sua cultura.
A comunidade unicapiana (discentes, docentes, pesquisadores, administradores, religiosos, prestadores de serviços) saboreou dessa arte e convidou outros “meus senhores todos [... e minhas] senhoras também”15 para provar do tempero e não serem engolidores de qualquer coisa!

Este parco repente proseado foi um desacato e uma homenagem ao des(entendimento) de muitos brasileiros que não querem enxergar (mesmo tendo o mínimo de conhecimento) a pelo menos um palmo dos seus “ói” e àqueles que valorizam e velam os valores consuetudinários da cultura nordestina, respectivamente. Os afazeres não foram regionalistas, mas os que irão arvorar-se na saga do h(armorial) irão bebê, cumê, degustar de (uma) cultura regional-brasileira-universal, legítima, original.


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